Diversos países da América do Sul atravessaram amargos períodos entre 1964 e 1985 quando uma série de golpes de Estado derrubou do poder governantes democraticamente eleitos e instaurou ditaduras militares no comando de nações como Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Bolívia e Paraguai.

Vamos nos ater, aqui, e tapa final dos regimes de exceção no Brasil e no Uruguai, com realce à conquista da anistia política – conquista, na verdade, é a melhor expressão para que se demonstre uma importante diferença histórica entre os dois países. Tal diferença, ocorrida no passado, faz-se vital, no presente, para inibir novos aventureiros de ombros estrelados.

No Brasil, a anistia foi negociada ao extremo: de um lado, os ditadores; do outro, a sociedade civil reorganizada se opondo ao totalitarismo e exigindo a libertação dos presos políticos. Para os governantes de então, havia um limite: os prisioneiros que tinham cometido o que eles denominavam crimes de sangue não deveriam ser anistiados.

Na verdade, houve uma esperteza dos militares. A maioria da sociedade queria a punição dos agentes repressores da ditadura que, com a conivência de seus superiores, sequestraram, torturaram e assassinaram oponentes do regime. O governo estabeleceu, então, uma macabra barganha: seria concedida anistia a guerrilheiros acusados de homicídio em combate, desde que, por outro lado, a sociedade aceitasse anistiar torturadores.

Isso explica a razão pela qual nenhum governante militar foi punido no Brasil após a redemocratização. Ficou valendo o princípio da conexidade: anistia-se de um lado, por conexão o outro lado também está anistiado.

Nos últimos dias assistimos a fatos que demonstram o equívoco cometido em nosso País na elaboração da anistia. Foi extinta a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, ligada ao Ministério dos Direitos Humanos. A extinção se deu ao apagar das luzes da execrável gestão de Jair Bolsonaro e por desejo de bolsonaristas.

Já no Uruguai, dois coronéis acabam de ser presos porque em 1978 (44 anos atrás, portanto) participaram em Porto Alegre do sequestro de dois uruguaios: o casal de ativistas e militantes democratas Lilian Celiberti e Universindo Díaz. O fato se deu com apoio da repressão brasileira, no âmbito da Operação Condor. Lilian e Universindo viram-se, então, levados à força ao Uruguai, onde foram torturados.

A impunidade aos torturadores e seus superiores no Brasil e a responsabilização criminal de repressores militares e torturadores em outros países, independentemente da passagem do tempo, deixam clara a diferença dos processos históricos. Aqui, a anistia foi concedida pelos militares. No Uruguai ela foi conquistada pela sociedade civil.
Está na hora (já passou da hora) de a nossa Lei da Anistia ser revista, para que se coloque fim a impunidade concedida aos torturadores da ditadura militar. A tortura é crime imprescritível. Assim, sob essa ótica, quem a praticou tem de ser criminalmente responsabilizado.