É preciso mudar o artigo 142

É preciso mudar o artigo 142

O artigo 142 da Constituição precisa ser alterado. No tempo mais breve possível. O governo Bolsonaro deixou claro que, da forma como foi redigido, 30 anos atrás, ele é um elemento de desestabilização para a democracia brasileira.

O artigo define a missão das Forças Armadas no Brasil. Diz ele: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

Como sempre no Direito, há margem para várias interpretações da letra da lei. Mas não são poucos os que enxergam na parte final desse texto uma licença para que as Forças Armadas se tornem tuteladoras da ordem política – os adultos responsáveis por arrumar a casa quando políticos, juízes e cidadãos civis não sabem se comportar.

Alguns o fazem com perturbação, como o historiador José Murilo de Carvalho na nova edição de seu livro Forças Armadas e Política no Brasil. Carvalho lembra que o artigo 142 só saiu dessa forma por pressão do então ministro da Guerra, general Leônidas Pires Gonçalves, sobre a assembleia constituinte de 1988.

Outros o fazem com indisfarçável prazer, como o jurista Ives Gandra Martins Filho em um vídeo recente. Da crítica legítima ao ativismo e ao acúmulo de decisões monocráticas polêmicas preferidas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ele passa lépido e fagueiro à teoria de que as Forças Armadas são um poder moderador na nossa democracia, com autoridade para intervir quando houver desentendimento entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

Mas a discussão não é apenas teórica. Veja-se a reação do ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, na semana passada, quando o STF mandou que a Procuradoria Geral da República se manifestasse sobre o pedido de apreensão do telefone celular do presidente Jair Bolsonaro feito por três partidos políticos.

O envio da petição à PGR foi um ato processual banal, que não envolvia nenhuma juízo de valor por parte do ministro Celso de Mello, responsável pelo caso na corte. Heleno, contudo, demonstrou ter os nervos à flor da pele. Lançou um “alerta às autoridades constituídas”: a apreensão do telefone celular seria vista como “evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional.” Uma leitura do artigo 142 da Constituição à maneira de Ives Gandra Martins Filho está implícita na nota. O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, endossou o texto.

Não se trata aqui de hostilidade às Forças Armadas. Trata-se apenas de reconhecer que as democracias mais fortes e mais capazes de prover justiça e bem estar aos seus cidadãos são aquelas em que o processo histórico levou os militares a se profissionalizarem, afastando-se do embate político e da tentação de nele interferir com seus fuzis.

A mera possibilidade de que uma intervenção militar seja vista como algo legitimado pela Constituição brasileira é motivo para que se modifique o artigo 142. A ambiguidade deve ser extirpada do texto constitucional. Ela não pode pairar como uma nuvem de tempestade sobre o ambiente político. Mas é isso que começa a acontecer.