O governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade), defendeu a decisão do Ibama de autorizar a Petrobras a iniciar a perfuração exploratória na região da Foz do Amazonas e afirmou que o debate ambiental em torno do tema precisa ser pautado por dados técnicos, e não por “dogmas ou fundamentalismos”. Em entrevista à IstoÉ, Clécio afirmou que a economia não pode pagar o preço da descarbonização, negando que o a decisão coloque o estado como um “vilão ambiental”.
A licença saiu na última segunda-feira, 20, após meses de embate entre o governo federal, Ibama e Petrobras. Para conseguir a autorização, a estatal precisou fazer modificações no projeto inicial. Os trabalhos de perfuração tiveram início no mesmo dia e os trabalhos devem durar cerca de cinco meses.
Assista a entrevista completa
Clécio destacou que a Petrobras possui experiência consolidada em exploração marítima e que a empresa realizou recentemente simulações de vazamentos e emergências em diferentes condições, todas com resposta considerada satisfatória. Embora respeite as críticas de ambientalistas, o governador avalia haver dogmas nas discussões e disse ser preciso tecnicidade para debater o tema.
“Primeiro, todas as críticas são bem-vindas. Sou democrata e atuo na política, portanto respeito todas as manifestações. Há muito dogma e fundamentalismo nessa discussão. E nenhum debate avança a partir de dogmas ou fundamentalismos. As críticas são produtivas quando fundamentadas em teorias e fatos consolidados – o que não é o caso aqui. O Brasil não pode abrir mão desse mineral estratégico. Essa discussão deve ocorrer em nível estratégico, não de forma superficial ou individualizada”, afirmou.
Ambientalistas focam suas críticas na possibilidade de vazamentos e destruição ambiental com a exploração. Para tentar fortalecer a tese, alguns especialistas têm usado o argumento de que o Brasil precisa focar na transição energética e que o avanço da extração de petróleo na região próxima da Amazônia passaria uma imagem negativa para os demais países.
Clécio também rebate esse argumento e afirma que o estado tem atuado para avançar no aumento do fornecimento de energias renováveis. Todavia, ele pontua que a economia do estado dependerá da exploração na região. “Discuto a questão ambiental com qualquer interessado, pois transformar o Amapá em vilão ambiental é injusto: nossa produção energética não terá impacto significativo no planeta. A produção de petróleo é estratégica para o mundo e fundamental para a geopolítica”, afirma.

Clécio Luís, governador do Amapá, defendeu a exploração de petróleo na região da Foz do Amazonas como um ponto estratégico para o país
“Obviamente, existem discussões mais amplas sobre a economia do carbono, o papel dos combustíveis fósseis e a transição energética global. Defendo a transição, mas não aceito que o Amapá pague essa conta por nações que não cumprem o Acordo de Paris”, concluiu.
O governador também defendeu a criação de um fundo soberano inspirado no modelo da Noruega, país que utiliza parte dos recursos do petróleo em políticas de preservação e desenvolvimento sustentável. “Os royalties permitirão manter a floresta em pé, apoiar povos indígenas, investir em infraestrutura e dinamizar a economia. Podemos aplicar esse modelo, investindo em economias verde, azul e ética”.
Leia a entrevista completa com o governador do Amapá, Clécio Luís
IstoÉ: Como avalia a decisão do IBAMA após anos de espera?
Clécio Luís: É uma grande vitória para o Amapá e para a política feita com seriedade. A decisão do Ibama atende ao que esperávamos, pois é o órgão responsável e competente para este licenciamento. Embora eu tenha criticado a demora, o processo foi conduzido com o maior rigor da história, especialmente para a atividade de óleo e gás.
O Ibama realizou um trabalho que não deixa dúvidas: todos os critérios e pré-requisitos foram integralmente cumpridos, justificando a liberação. Foi uma decisão acertada, técnica, que beneficia tanto o Brasil quanto o Amapá.
Na prática, como essa autorização afetará a economia do Amapá?
O projeto de petróleo no Amapá representa uma nova e poderosa matriz econômica, não apenas mais um empreendimento isolado. Essa atividade gerará empregos, renda e atrairá todo um ecossistema industrial do setor de óleo e gás, incluindo cadeias de transporte, insumos e mão de obra especializada.
Diferente de ciclos extrativistas do passado, esta matriz trará royalties e recursos estáveis que permitirão ao estado manter a floresta em pé, gerar empregos qualificados, investir em pesquisa aplicada, apoiar povos indígenas e melhorar a infraestrutura. São novos empregos, negócios e recursos para áreas prioritárias.
Qual a expectativa de arrecadação, geração de empregos e investimentos?
As projeções para o petróleo no Amapá ainda dependem de confirmação através de pesquisas, mas os cálculos indicam impactos transformadores. Estima-se a duplicação do PIB estadual, saltando de R$ 23 bilhões para até R$ 60 bilhões, além de uma produção potencial de 1 a 1,2 milhão de barris diários. Esses números, porém, só se concretizarão após a fase de pesquisa.

Clécio Luís defendeu a criação de um fundo soberano para financiar florestas e economia sustentável com os royalties do petróleo
Além dos royalties, que terão um plano de governança específico, o desenvolvimento inclui a criação de cursos técnicos e de engenharia em parceria com universidades locais. Um momento significativo foi o diálogo com lideranças indígenas, que já visualizam seus filhos se formando nessas áreas – mostrando uma convergência de interesses em torno dessa nova matriz econômica para o estado.
O plano busca equilibrar os benefícios econômicos com a inclusão social e a preservação ambiental. Os recursos dos royalties serão direcionados para infraestrutura, pesquisa e apoio às comunidades, enquanto a cadeia produtiva do petróleo gerará empregos qualificados e movimentará setores locais de serviços e insumos.
Como conciliar a exploração petrolífera com as críticas ambientais?
Valorizo todas as críticas, que são inerentes ao debate democrático. No entanto, observo que parte das objeções à exploração de petróleo no Amapá baseia-se mais em dogmas do que em dados concretos. A Petrobras possui expertise incomparável em águas profundas, com mais de três mil poços perfurados sem acidentes, utilizando tecnologias de ponta como o navio-sonda NS42 e sistemas avançados de prevenção a vazamentos.
O Brasil não pode abrir mão desse mineral estratégico. Essa discussão deve ocorrer em nível estratégico, não de forma superficial ou individualizada. O petróleo é vital para o Brasil e para a Petrobras, que sem novas reservas poderá precisar importar combustível refinado em alguns anos – o que elevaria preços, inflação, custos de transporte e, finalmente, o preço da comida na mesa da população mais vulnerável.
Obviamente, existem discussões mais amplas sobre a economia do carbono, o papel dos combustíveis fósseis e a transição energética global. Defendo a transição, mas não aceito que o Amapá – que cumpriu seus deveres ambientais e mantém o território mais preservado do país – pague essa conta por nações que não cumprem o Acordo de Paris. Nossa contribuição para o aquecimento global é residual, e precisamos de desenvolvimento. Se queremos contribuir mais, precisamos de fontes de financiamento para manter a floresta em pé e garantir dignidade aos povos da floresta. É nessa perspectiva que enxergamos o petróleo.
Portanto, discuto a questão ambiental com qualquer interessado, pois transformar o Amapá em vilão ambiental é injusto: nossa produção energética não terá impacto significativo no planeta. A produção de petróleo é estratégica para o mundo e fundamental para a geopolítica.
Para nós, a questão não é matriz energética: já realizamos nossa transição. Há 32 anos, éramos 100% dependentes de diesel. Hoje, temos energia 100% hidrelétrica, com quase 1 GW de produção – mais que o dobro do nosso consumo – e avançamos na geração solar, eólica e em sistemas híbridos. Já fizemos nossa transição; agora promovemos a diversificação energética.
O Amapá, que já concluiu sua transição energética para fontes renováveis, não pode arcar sozinho com os custos da descarbonização global. Os royalties do petróleo serão essenciais para financiar a preservação florestal, apoiar comunidades indígenas e investir em infraestrutura, seguindo modelos internacionais bem-sucedidos como o da Noruega.
Esta atividade não representa nossa única aposta econômica, mas sim uma alavanca estratégica para gerar recursos que permitirão ao estado consolidar um desenvolvimento sustentável e diversificado, garantindo dignidade para sua população sem abrir mão de seus compromissos ambientais.
Se o foco é petróleo, como está a transição para energias renováveis no estado?
O Amapá já realizou sua transição energética, substituindo a dependência do diesel por uma matriz limpa baseada em hidrelétricas de baixo impacto e com significativo potencial solar e eólico. No entanto, reconhece que os combustíveis fósseis ainda movem a economia global e que o estado não pode arcar sozinho com o ônus da descarbonização.
A exploração de petróleo é vista como complementar ao desenvolvimento das renováveis, gerando recursos necessários para investir em infraestrutura e preservação. Enquanto o petróleo financia o presente, o Amapá avança na diversificação energética, mapeando seu potencial solar de 54 GW e desenvolvendo sistemas híbridos inovadores para construir uma matriz energética sustentável e inclusiva.

O governador do Amapá não vê impacto da liberação na imagem do Brasil às vésperas da COP-30
A autorização em ano de COP30 não envia mensagem contraditória sobre a política ambiental brasileira?
O Brasil e o Amapá não precisam provar seu compromisso ambiental, sendo o país que menos contribui com emissões de combustíveis fósseis. A liberação da licença antes da COP30 foi um ato de transparência, mostrando que o processo seguiu todos os critérios legais – diferente de empresas que buscam jurisdições menos rigorosas, como ocorreu com a Total no Suriname.
O pior seria aguardar o término da COP para então anunciar a liberação da licença. Isso transmitiria uma mensagem negativa ao mundo, prejudicaria os resultados da conferência e revelaria hipocrisia – como se houvesse uma tentativa de burlar o processo. Seria como dizer: “Vamos esperar a COP passar para então divulgar uma licença que já estava aprovada por atender a todos os critérios legais”.
A legislação foi integralmente cumprida. O IBAMA cumpriu seu papel ao emitir a licença antes da COP, assim como acertaram o Ministério do Meio Ambiente, o governo brasileiro e o presidente Lula. O Amapá também agiu corretamente, pois deixou claro que a licença seria concedida mais cedo ou mais tarde. O que o Brasil sinalizou com isso? Que está tratando essas questões com transparência e honestidade, sem hipocrisia – algo que infelizmente ainda campeia nos debates ambientais, junto com dogmas e fundamentalismo.
A COP30 na Amazônia enriquecerá o debate justamente por acontecer em uma região de realidade complexa. O Amapá mantém 95% de sua floresta preservada e todos os territórios indígenas demarcados, mas convive com pobreza e dependência de repasses federais. Preservar não significa estagnar: é preciso gerar emprego e renda para evitar que o crime organizado ocupe esse vazio econômico.
O petróleo não é o plano A – temos avançado em bioeconomia e energias renováveis –, mas seus recursos são necessários para financiar essa transição. Sem alternativas econômicas formais, a pressão sobre a floresta só aumentará, e é isso que precisamos evitar com honestidade e planejamento.
Quais medidas concretas de proteção ambiental serão adotadas na área de exploração? E como foi o diálogo com a ministra Marina Silva sobre este projeto?
Minha trajetória política começou na esquerda, com passagens pelo PT e Rede Sustentabilidade, e evoluiu para uma atuação mais centrada no desenvolvimento pragmático. Embora tenha relação de respeito com Marina Silva e Rodrigo [Agostinho – presidente do Ibama], não houve contato prévio sobre o licenciamento, para não interferir em uma decisão que deveria ser estritamente técnica.
O Amapá parte de uma posição única como o estado mais preservado do Brasil, mas essa condição só se manterá com presença estatal e economia regulada. Para isso, criamos o Código Ambiental mais moderno do país, concluímos o Zoneamento Ecológico-Econômico e mapeamos todo nosso potencial de energias renováveis.
O petróleo, nesta estratégia, é um meio – não um fim. Seus recursos financiarão o Parque Tecnológico que lançaremos em breve e a industrialização da bioeconomia, gerando emprego e renda enquanto mantemos nossa floresta em pé.