O Sete de Setembro representou a crise institucional mais grave desde a redemocratização. Não foi a maior mobilização popular (como nos anos Collor), nem a mais simbólica de grandes mudanças, como as Jornadas de Junho no governo Dilma, que anteciparam o esgotamento do petismo. Mas a investida de Bolsonaro foi especialmente nociva porque, pela primeira vez, questionou-se o pacto democrático de 1988. Felizmente, este acordo prevaleceu com o apoio expressivo da maioria silenciosa,
e o presidente perdeu a oportunidade de dar o golpe. Continuará tentando, mas dificilmente terá força para isso, mesmo sendo capaz de ainda causar um grande estrago. É hora, portanto, de pensar no cenário pós-Bolsonaro.

A um ano das eleições de 4 de outubro de 2022, o panorama é muito difuso. Mas é certo que o presidente não terá um segundo mandato. Já não operam as forças que lhe deram a chance histórica de ocupar uma cadeira para a qual não tinha capacidade. Ele foi eleito por ser o candidato mais viável para derrotar o petismo, num cenário de caos institucional e de cruzada moral pela erradicação da corrupção. Mas os vícios do patrimonialismo prevaleceram, como a captura persistente do Estado por grupos de interesse, quando não criminosos (caso do próprio presidente).

O pleito de 2022 está indefinido. O País espera um pacificador, que supere a polarização, mas o Biden brasileiro ainda não se apresentou

A esquerda está exultante porque aposta na volta de Lula para ressuscitar a era petista. Mas o Brasil não é o mesmo de 2016. A voz conservadora que estava apenas dormente não vai se calar tão fácil. E as pautas identitárias (de gênero, antirracistas etc.) que promovem a polarização continuarão a afastar os esquerdistas do centro, que é maioria. É bom lembrar que a cultura do cancelamento foi criada pelo petismo, apesar de ter virado um fenômeno com o bolsonarismo. Nos EUA, o cientista político Mark Lilla mostrou que Donald Trump surgiu pela fragmentação das forças progressistas, mergulhadas em pautas que fomentavam a divisão da sociedade. No ano passado, os democratas triunfaram porque recuaram em suas propostas e se uniram em torno do moderado Joe Biden. Lula já percebeu isso e tenta encarnar “o novo centro”. Mas demonstra que deseja um governo revanchista, e sua prioridade vai ser esmagar o risco de que os processos contra ele avancem. Quer aprofundar os vícios do populismo, como a intervenção irracional na economia. As eleições ainda estão indefinidas. O País espera um pacificador, mas o Biden brasileiro ainda não se apresentou.