Em 2010, como repórter da Bloomberg, o jornalista americano Alex Cuadros recebeu a incumbência de se mudar para o Brasil para fazer um levantamento dos bilionários do País e entrevistá-los. “Era um tema que nunca havia me atraído. Mas, aos poucos, me vi registrando detalhes que eu sabia que já seriam para um livro.” Entre os perfilados, para citar alguns, nomes conhecidos da cultura empresarial brasileira, como Jorge Paulo Lemann, Abilio Diniz e Eike Batista, à época o oitavo homem mais rico do mundo.

Mais do que se ater à biografia dos endinheirados, em Brazillionaires: Wealth, Power, Decadence, and Hope in an American Country (lançado em julho e ainda sem tradução para o português) Cuadros lança uma tentativa de compreensão do Brasil, abordando aspectos da cultura e relações entre o poder econômico e o político no País. “Os bilionários servem quase como uma forma de enganar o leitor”, diz o jornalista. “Como se eu dissesse: a gente vai falar de riqueza e luxo, mas o livro acaba abordando também uma história mais séria.”

Há algo capaz de caracterizar os bilionários brasileiros?

Vi muito mais similaridades entre os bilionários ao redor do mundo do que diferenças. A essência dos bilionários, onde quer que estejam, é o impulso por criar impérios. E isso define a visão deles de mundo. No geral, os bilionários parecem acreditar que não estão apenas ganhando dinheiro, mas fazendo algo que é bom para o país, para o mundo. E isso é capaz de justificar tudo o que eles fazem. Eles têm uma retórica parecida e também uma visão do mundo sinceramente similar.

O sr. aborda a trajetória de empresários emblemáticos na cultura corporativa brasileira, caso de Jorge Paulo Lemann. Mas a maior parte do livro – de longe – é dedicada ao Eike Batista. Por quê?

Fiquei obcecado pelo Eike. É uma palavra forte, mas é verdade. Em certo ponto do livro, eu comecei a sonhar com o ele. E ainda sonho. E nos meus sonhos ele está riquíssimo ainda. (risos) O que me fascinou nele foi a grandiosidade em tudo. Talvez mais do que qualquer outro bilionário que eu tenha pesquisado, ele realmente era um megalomaníaco. Muitas pessoas diziam que o Eike era um vendedor de sonhos, um cínico. Até acredito que tenha alguma dose de cinismo, mas ele realmente acreditava nas próprias ambições.

E a derrocada?

Muita gente era cética sobre o império dele – inclusive eu, às vezes. Mas quando tudo começou a desabar, era difícil de acreditar. Era impossível acreditar no fato de um homem ficar tão rico em tão pouco tempo e perder tudo em um tempo menor ainda.

Como foi a escolha dos nomes? Alguns empresários de peso ficaram de fora.

Tem algo de intuitivo e de irracional nas escolhas. Deixei muita gente de fora para que seja uma narrativa, não um catálogo. Desde o início, o que eu mais gostei ao cobrir os bilionários é que eles servem quase como uma forma de enganar o leitor. Como se eu dissesse: a gente vai falar de riqueza e luxo, mas também vou levar o leitor para uma história um pouco mais séria, que me interessa muito mais.

O sr. aborda em vários momentos a relação dos bilionários brasileiros com o governo. Como o sr. enxerga essa ligação?

A relação entre poder econômico e poder político é muito mais forte e extrema no Brasil, mas acho que é a relação natural que se forma entre dinheiro e governo em quase qualquer país. É uma diferença apenas de intensidade, que tem muito a ver com o peso do Estado na economia brasileira, já que as possibilidades de negócios com o poder público ficam muito maiores.

Como isso se dá nos EUA, por exemplo?

Como os bilionários mantêm o poder e defendem patrimônio? Eles usam o dinheiro para influenciar o sistema político. Acho talvez que a forma de se relacionar com a política mais parecida à brasileira nos Estados Unidos se encontra em Wall Street. A partir dos anos 80 e 90, ela começou a financiar tanto democratas e republicanos, porque o que ela quer é acesso ao poder.

O sr. pegou um período simbólico: o auge da economia brasileira e, depois, uma reversão fortíssima. Como foi acompanhar esse processo?

Quando cheguei, havia um sentimento de que o Brasil estava mudando de forma fundamental, deixando para trás os ciclos de boom e queda. Agora, há a morte desse sonho de prosperidade. Nunca vi tantas pessoas falarem que vivem em uma República das Bananas. É muito triste ver a autoestima nacional chegar a esse ponto.

Em um trecho do livro o sr. cita as diversas palavras no Brasil para designar tramoia, maracutaia, jeitinho brasileiro… Diante de todas as denúncias de corrupção que temos enfrentado, essa constatação é especialmente desanimadora.

Não acho que cultura seja destino. Quando leio sobre os EUA no século XIX, parece que se trata do Brasil de hoje. Quando você lê sobre os grandes empresários americanos do século XIX, a propina era a regra. Havia propina pra absolutamente tudo. Para comprar uma licença, para construir tal ferrovia… Mas se tinha uma tensão entre essa corrupção endêmica e a vontade da sociedade de não permitir que os ricos e poderosos dominassem a política pública. Por conta dessa pressão, instituições de controle se desenvolveram no país. Nunca se supera isso completamente, mas é uma situação muito melhor obviamente do que no Brasil hoje. Mas acho que isso começa a mudar por aí.

Na sua avaliação, a Lava Jato pode ser um ponto de inflexão?

Acho que o Brasil talvez esteja vendo uma mudança na impunidade que pode levar a uma forma diferente de fazer política e de fazer governo. É muito cedo para dizer, mas me encoraja muito o fato de ninguém ter conseguido parar a Lava Jato até agora. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.