De ascendência indígena, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, diz que a Amazônia não está sendo devastada e que “84% da floresta ainda está em pé, preservada”. Como presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, no entanto, o general reconhece que os desmatamentos e queimadas, sobretudo em terras indígenas, áreas de conservação e em terras devolutas — que representam um terço das regiões atingidas pelos crimes ambientais —, são os que mais preocupam o governo. Afirma que o enfraquecimento dos órgãos ambientais responsáveis pela atuação contra os criminosos que agem nas regiões com florestas vem de governos anteriores: “Herdamos agências ambientais com efetivos reduzidos e os criminosos se aproveitaram disso”.

Mourão informou que vem dialogando com os países que aplicavam recursos no Fundo Amazônia, como
Alemanha e Noruega, para que voltem a financiar ações de repressão aos crimes ambientais. “Eles estavam acostumados a entregar o gerenciamento dos recursos às ONGs e a mudança nesse sistema trouxe desconfiança num primeiro momento.“ Mourão preferiu não abordar, porém, assuntos fora da pauta ambiental, como os elogios que fez, na semana passada, em entrevista a uma TV alemã, ao coronel Brilhante Ustra. Eis os principais trechos da entrevista exclusiva do vice-presidente à ISTOÉ.

O Inpe mostra que o desmatamento aumentou 34% nos últimos 12 meses na Amazônia, mas o senhor contesta esses números, certo?
Ninguém desacredita dos dados de queimadas e desmatamento. O que eu sempre falo é que esses números precisam vir acompanhados de uma análise de inteligência. O Inpe apresenta valores brutos: tem x focos de calor e y hectares desmatados. Esses dados precisam vir acompanhados de uma análise qualitativa. Os valores brutos não mostram, por exemplo, quantos focos de calor efetivamente são queimadas e não distinguem os desmatamentos ilegais dos legais, que são aqueles ocorridos dentro dos 20% de terra que, de acordo com a nossa legislação, podem ser explorados.

Tem como reduzir as queimadas?
O combate ao desmatamento e às queimadas ilegais é prioridade do governo, que, em fevereiro de 2020, recriou o Conselho Nacional da Amazônia Legal com o objetivo de integrar e coordenar as ações governamentais, e me delegou a missão de presidi-lo. Nesse sentido, em maio deste ano, deflagramos a Operação Verde Brasil 2, que já conta com resultados expressivos no combate a esses crimes ambientais. No entanto, também defendemos o processo de regularização fundiária como importante ferramenta no combate ao desmatamento ilegal. Atualmente é difícil punir o responsável pelo desmatamento porque a dinâmica desregulada de ocupação e exploração do território nos dificulta identificar e punir os proprietários das áreas em que estão ocorrendo esses delitos ambientais.

As imagens do Inpe mostram também grandes focos de incêndios, cujo combate estaria sendo pouco efetivo. As queimadas estão incontroláveis?
De forma alguma. Essa questão nos remete à minha explicação anterior sobre os dados do Inpe serem apresentados na forma bruta, sem uma análise qualitativa ou de inteligência. Os satélites apontam como focos de calor toda temperatura na superfície terrestre acima de 47ºC. Ou seja, não indicam necessariamente queimadas ou incêndios. Quando você olha as áreas urbanas, por exemplo, todas elas aparecem no mapa como focos de calor. Assim, precisamos saber quais deles efetivamente são queimadas e se estão ocorrendo em áreas recentemente desmatadas, em terras indígenas, unidades de conservação ou em áreas regeneradas. De uma maneira geral, hoje o quadro de queimada é o seguinte: 1/3 está ocorrendo em área particular, podendo ser legal, se estiver na parcela de 20% permitida pela lei, ou ilegal se estiver avançando dento da área da reserva legal. O segundo terço, que mais me preocupa, está ocorrendo em terra indígena, em unidade de conservação e em terra devoluta. Esse é o problema sério que o governo tem que enfrentar. E o terceiro terço é registrado em área urbana, em assentamento, que não é tão problemático.

A comunidade internacional e ecologistas brasileiros dizem que o quadro na Amazônia e no Pantanal é catastrófico.
O Brasil não é o vilão da sustentabilidade. A Amazônia não está sendo devastada. Muito pelo contrário, somos aqueles que têm a matriz energética mais limpa e diversificada do mundo. Temos mais de 60% do nosso território com a cobertura vegetal original e 84% da floresta Amazônica está em pé, preservada. A área que corresponde ao arco da presença humana na região amazônica, onde não temos mais florestas, corresponde a apenas 16%. Vamos lembrar o seguinte: quando a humanidade iniciou os seus primeiros passos, a Europa tinha 7% das florestas e o Brasil, 9%. Hoje, a Europa tem 0,1% e o Brasil, 28%. Então, fica claro que nós preservamos mais. Essa narrativa faz parte do jogo que estamos vivendo, o jogo de pressões.

O senhor tem dito que os focos de incêndio na Amazônia são superdimensionados…
No Bioma Amazônia existem cerca de 530.000 imóveis rurais, de acordo com dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Em aproximadamente 25.000 ocorrem queimadas ilegais, ou seja, em 5% das propriedades. Essa é a dimensão do problema a ser enfrentado, com paciência, determinação e clareza.

Os críticos do governo dizem que o Ministério do Meio Ambiente é negligente e que desestruturou todos os órgãos de controle ambiental, como o Ibama e o ICMBio.
Sua pergunta foi muito bem colocada. Os “críticos do governo” têm reproduzido uma narrativa enviesada. Herdamos as agências ambientais com efetivos reduzidos e capacidade operacional debilitada. Ao final de sete anos de restrições fiscais, os órgãos de combate aos delitos ambientais viram seus quadros de agentes de fiscalização diminuir pela metade e o desmatamento crescer. Naquele cenário, oportunistas e criminosos que atuavam na selva amazônica perceberam a chance para ampliar suas atividades. O governo está trabalhando para reverter esse quadro.

O senhor entende que o enfraquecimento desses órgãos se deve ao fato de o Brasil ter perdido recursos internacionais que recebia da Alemanha e Noruega?
O enfraquecimento dos órgãos ambientais ocorrido nos governos anteriores, quadro crítico que atualmente buscamos reverter, se deu pela falta de recomposição adequada de recursos, bem como pela ausência de apoio a investimentos sustentáveis e de planejamento adequado para a área. As abordagens também eram centradas na repressão e nos crimes ambientais, demonstrando-se onerosas e pouco eficientes. Em relação à perda dos recursos do Fundo Amazônia, os países investidores estavam acostumados com um Brasil que havia entregue o gerenciamento da conservação da sua Floresta Amazônica exclusivamente às ONGs. A visão moderna do governo Bolsonaro, de tomar a frente desse gerenciamento e de que a repressão aos crimes ambientais deve ocorrer em paralelo ao desenvolvimento econômico sustentável, em prol dos 25 milhões de brasileiros que vivem na região amazônica, trouxe desconfiança, num primeiro momento.

A comunidade internacional deveria colaborar mais com o Brasil para a manutenção das nossas florestas?
O Brasil é capaz de cuidar do seu meio ambiente. Nenhuma nação preservou tanto a sua vegetação nativa como nós. Como já citei, temos 66% da cobertura vegetal intacta e 84% no caso da Amazônia. No entanto, brasileiros e estrangeiros que tenham interesse na preservação da floresta Amazônica e em seu desenvolvimento sustentável com segurança, justiça e oportunidade para todos os milhões de brasileiros que ali vivem serão bem-vindos.

Cientistas, como Carlos Nobre, dizem que se o desmatamento e queimadas continuarem no ritmo em que estão em breve a Amazônia pode virar savana. O que o senhor acha disso?
Essa narrativa está equivocada. Em complemento ao que já informei, acrescento que o desmatamento na Amazônia teve queda pelo terceiro mês consecutivo, obtendo redução de 33% em setembro, 26% em julho e 21% em agosto, comparado com o mesmo período de 2019. Já os focos de calor no bioma Amazônia, em setembro de 2019, ficaram abaixo da média histórica no mesmo período, a qual considera os últimos 23 anos. O governo permanece atuante na preservação, proteção e desenvolvimento da Amazônia, para reduzir ainda mais a curva de desmatamento e queimadas ilegais e proporcionar dignidade aos mais de 25 milhões de brasileiros que vivem na região.

Mas os madeireiros a mineradores agem livremente…
É preciso destacar os esforços do governo no sentido de impedir e combater as ilegalidades ambientais, como a recriação do Conselho Nacional da Amazônia Legal, o Decreto de Moratória do Fogo e a Operação Verde Brasil 2, que até o dia 1º deste mês aplicou R$ 1,389 bilhão em multas, combateu 6.842 focos de incêndio, apreendeu 991 embarcações, 345 veículos e 173 mil metros cúbicos de madeira ilegal. Efetuou ainda 171 prisões, realizou mais de 39 mil inspeções navais e terrestres, vistorias e revistas em embarcações e 371 inspeções em madeireiras, serralharias e fazendas. Foram confiscados ou destruídos,
755 veículos de garimpo, balsas, tratores, escavadeiras e máquinas agrícolas, dentre outros equipamentos.

O presidente Bolsonaro disse na ONU que os incêndios na Amazônia são provocados por índios e caboclos.
O senhor concorda?
Apesar de ser uma forma ultrapassada e desinformada de lidar com o meio ambiente, o uso do fogo para limpeza e preparo do terreno em atividades agropastoris é uma tradição que ainda persiste em muitas comunidades. Há, ainda, a questão econômica, por ser o método mais barato e rápido. Esse tipo de preparação de terra é arcaico e pelos riscos que apresenta não tem mais espaço no mundo em que vivemos.

O senhor diz que o governo adota uma das melhores políticas de controle ambiental do mundo.
Temos uma legislação muito mais restritiva do que a de outros países. A Constituição de 1988 dedicou um capítulo inteiro ao tema meio ambiente, considerando-o patrimônio público. Ou seja, bem de uso comum do povo, essencial à qualidade de vida e que deve ser defendido e preservado para as gerações presentes e futuras.