Richard Melville ganhou o apelido de “Moby” ainda criança, em homenagem a “Moby Dick”, obra mais famosa de seu antepassado, Herman Melville. Apesar de já ter se aventurado pela literatura em uma elogiada autobiografia, o negócio de Moby é a música. O músico, produtor e DJ que já vendeu cerca de 20 milhões de álbuns e lota estádios por onde passa está em uma fase de autodescobrimento. Esse mês ele lança dois projetos ao mesmo tempo: o primeiro é o documentário “Moby Doc”, dirigido por Rob Bralver, sessão de terapia cinematográfica que valoriza os pontos altos de sua carreira, mas não esconde os pontos baixos de vida pessoal, como o alcoolismo e o consumo de drogas. Sua vida se divide hoje entre a música e a defesa pelos direitos dos animais, causa da qual é defensor radical há anos. Há também o lançamento do álbum “Reprise”, uma versão orquestrada de seus clássicos da música eletrônica. Dividindo o palco com a Orquestra de Arte de Budapeste e um coral gospel, Moby faz uma bela releitura de seus maiores sucessos.

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Quando artistas fazem documentários autobiográficos costumam contar apenas um lado: o lado bom. Por que decidiu se expor tanto no seu?
Tenho produzido muito material pessoal nos últimos anos, autobiografia, documentário. Esse olhar me faz ganhar perspectiva para analisar minhas escolhas. É um processo fascinante olhar para nosso passado, ajuda a descobrir quem somos. Afinal, você é a mesma pessoa, mas também é diferente.

Em termos concentuais, parece que estamos assistindo a sua sessão de terapia.
Olhar para o passado é uma tarefa quase divina. Quando voltamos a quem éramos com vinte anos, é interessante porque você já sabe os erros que ia cometer e os problemas que eles iriam gerar. Ao mesmo tempo, sabe que não tem poder para mudar ou evitar aquilo. Acho que todo mundo deveria escrever uma autobiografia.

Essa volta ao passado foi dolorosa ou prazerosa?
Não foi dolorosa porque estou bem hoje. Sou o produto do que vivi no passado. Não posso criticar os erros porque eles me ajudaram a ser quem sou hoje – tenho até que, de certa forma, agradecê-los. Quando fazemos algo direito, não aprendemos nada. Só aprendemos quando falhamos. Nesse processo aprendi a ter compaixão comigo mesmo. Os erros foram produtos da confusão que eu vivia na época, por isso me perdoo.
É bom olhar para trás e ver que você sobreviveu a tudo e está bem. Converso com outros amigos que também tiveram problemas com drogas e compartilhamos o mesmo sentimento: simplesmente não acreditamos que fizemos tudo aquilo e que ainda estamos vivos.

Há uma cena no documentário que mostra você caído, desmaiado em uma sarjeta em Nova York. Por que incluir isso?
Quis mostrar a realidade. E quem tem problemas com álcool sabe que coisas assim são comuns. Minha perspectiva hoje é privilegiada, estou em um hotel em Los Angeles, conversando com você, acabei de tomar café da manhã. É fácil ter uma boa impressão do passado quando o momento atual está bem.

Apesar de o documentário ser muito pessoal, não há nada sobre sua vida amorosa. Por quê?
Porque nos últimos cinco anos eu não tive uma vida amorosa. É como eu falar sobre meu cabelo ou os xampus que uso. Não falo, porque não tenho cabelo. Ou seja, não tenho nada para falar sobre o assunto. Meus amigos dizem que sou um monge, porque não bebo, sou vegetariano, não me relaciono com ninguém.

Como o diretor David Lynch entrou no projeto?
Uma das coisas boas de ser famoso é que temos acesso aos nossos ídolos. Ele é um dos meus heróis criativos de todos os tempos. É um visionário. Ficamos amigos e começamos a trabalhar em diversos projetos. Há algo na visão de mundo que ele traz que me inspira. É um homem muito simples, mas como cineasta é capaz de criar mundos incríveis.

O novo álbum traz uma versão do seu repertório eletrônico adaptado para orquestra. De onde veio a ideia?
Eu amo a possibilidade de fazer algo que nunca fiz. A maioria das minhas músicas vem de uma experiência muito solitária, eu no estúdio, sozinho, com meus sintetizadores. Com esse álbum foi o contrário: trabalhei com um coral gospel, maestros, muitos músicos. Adorei o processo porque foi algo bem diferente ao que estava acostumado.

Quem você quer atingir com esse álbum?
Meu objetivo é transmitir emoção. Amo cada oportunidade que tenho de fazer isso, seja tocando violão com os amigos no quintal da minha casa ou ao lado de uma grande orquestra. A música orquestrada faz isso de maneira muito forte. Quero atingir indivíduos em qualquer lugar que eles estejam, e provocar uma experiência emocionante. Pode ser alguém em Curitiba, Porto Alegre ou na Coreia do Sul. Quero fazer parte da vida emocional de quem coloca um fone de ouvido e ouve essas canções.

Você compõe melodias emocionantes, mas musicalmente sua origem é da música eletrônica e até do punk. De onde vem essa influência mais melódica?
Aprendi música clássica quando era criança. Minha família tinha um gosto musical estranho, minha mãe ouvia Crosby Stills Nash & Young e depois passava para Dvorák e Stravinsky. Depois passei a ouvir Depeche Mode, Kraftwerk e New Order, a santa trindade da música eletrônica.

Como você se tornou um dos maiores ativistas da atualidade pelos direitos dos animais?
A história da humanidade é uma batalha entre conhecimento e desejo. Primeiro, temos uma reação emocional que vem de milhões de anos. Uma coisa simples – comer bacon, por exemplo. Depois de milhões de anos, olhamos para evidências e vemos que isso tem consequências. Primeiro, é cruel com animais. Depois, percebemos que é algo que faz mal. Vivemos uma disputa constante entre emoções primitivas e evidências da ciência. Como no caso dos direitos humanos, por exemplo. Antigamente, o homem entrava em uma aldeia e matava todos os índios. Evoluímos e passamos a compreender que fazer isso não é algo aceitável.

Tenho uma filha adolescente e percebo que as novas gerações parecem ser mais sensíveis ao tema dos direitos dos animais.
As novas gerações têm essa mentalidade, assim como nós tivemos em relação às anteriores. Quando lembro que as pessoas fumavam nos aviões, penso “como podíamos ser tão idiotas?”, mas veja que isso era comum até pouco tempo atrás. A mesma coisa em relação à escravidão ou ao voto feminino. Achávamos normal ser donos de outros seres humanos ou que as mulheres não tinham capacidade para votar. Os conceitos vão mudando, pois estamos no meio de uma batalha entre o cérebro e outras partes mais primitivas do corpo. Isso se chama evolução.