A brutal execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, que provocou comoção global e exige apuração rápida e rigorosa, talvez sirva para que a sociedade brasileira finalmente desperte para sua maior tragédia: o genocídio contra a população preta, pobre e periférica. Nas ruas do Rio de Janeiro, o grito mais forte que se ouvia era “chega de hipocrisia, essa polícia mata pobre todo dia”. Era justamente contra essa lógica perversa que Marielle, intelectual da Maré, se levantava. Dias antes de ser morta, ela protestara contra o assassinato de um jovem negro que saída de uma… igreja. O assassinato da vereadora também serviu para mostrar ao Brasil e ao mundo o fiasco de uma intervenção decidida atabalhoadamente pelos marqueteiros de um governo impopular e ilegítimo, que decidiu utilizar militares como soldadinhos de chumbo para patrulhar as comunidades do Rio de Janeiro logo após o desfile da Tuiuti, que desenhou o golpe para quem ainda não havia entendido. Um mês depois, após revistas de mochilas de crianças e fichamentos de moradores pretos e pobres, os assassinatos continuam e, desde o caso Marielle, com um novo viés: o de execuções comandadas por esquadrões da morte.
O episódio também deveria contribuir para que os militares reflitam sobre a roubada em que foram colocados por Michel Temer. Sem treinamento para atuar na segurança pública, eles agora poderão ser responsabilizados por uma percepção de insegurança ainda maior no Rio de Janeiro. Se os militares realmente querem a paz na cidade, deveriam estar preocupados com a retomada da democracia, da soberania nacional e dos investimentos na indústria naval e no setor de óleo e gás, cruciais para a economia fluminense, que foram praticamente eliminados depois do golpe de 2016.

Sobre o assassinato em si, considerando a hipótese de que tenha sido planejado por setores da polícia e das milícias envolvidos com grupos de extermínio, o crime cumpriu um objetivo: o de colocar grande parte da população do Rio de Janeiro contra a intervenção. Em outras palavras, se houve alguma inteligência por trás disso, a motivação pode ser justamente a de afastar a possibilidade de reestruturação das polícias. E isso cria uma armadilha para a população, que se vê entre uma intervenção ineficaz e uma estrutura policial contaminada.

Que a tragédia sirva para despertar o Brasil para sua maior tragédia: o genocídio da população preta e periférica

A execução também não comprova, ao contrário do que dizem os áulicos do poder, que a presença dos militares é necessária. Se estivéssemos tratando de uma intervenção cidadã, que protegesse a população mais vulnerável, ok. No entanto, o circo de Temer, desde o início, foi concebido como uma ação marqueteira que, nitidamente, tratava os pretos e pobres como “inimigos” da paz social. Marielle se foi e agora o general Braga, colocado numa tremenda fria por Temer, tem um crime para desvendar.


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