Jair Bolsonaro disse nesta quarta, 7, que a imprensa precisa divulgar a verdade dos fatos. Também acho, uma vez que o presidente mente sem parar. Então vamos lá, fazer o contrário do que faz Bolsonaro todos os dias, em todos os assuntos, mas especialmente quando o assunto é pandemia.

1. Bolsonaro continua propagandeando o uso da cloroquina. Nesta quarta-feira, fez isso em Chapecó, cujo prefeito também defende o uso livre do remédio. Bolsonaro e o tal prefeito acham que a cidade é um exemplo a ser seguido, e com isso cospem na cara da verdade. Chapecó tem 97% dos leitos de UTI ocupados e tem taxa de mortalidade pela Covid-19 muito maior que a nacional: 238 por 100 mil habitantes, contra 158 por 100 mil habitantes. Durante a visita ao município, Bolsonaro disse que a imprensa se preocupa demais com a vacina, e pouco com remédios que podem curar os doentes. Pois bem: a melhor e mais acessível análise de novos medicamentos para combate à Covid-19 está no site do The British Medical Journal (BMJ). Eles mantém um infográfico online continuamente atualizado, que reúne informações sobre 101 testes de remédios e mostra que apenas dois são promissores. Todos os outros, hidroxicloroquina e ivermectina incluídos, não têm eficácia comprovada. Papel de presidente não é fazer anúncio de remédio, induzindo gente a se automedicar. Mas, se estivesse realmente preocupado com os doentes e com a ciência, e não em obrigar as pessoas a engolir o seu ponto de vista, Bolsonaro poderia perguntar ao Ministério da Saúde como vem ocorrendo a utilização dos corticosteróides nos hospitais brasileiros, e como andam os testes clínicos com a colquicina, dos quais o país participa. Esses são os únicos remédios que parecem – e vamos aqui sublinhar o parecem – fazer alguma diferença na frente de batalha.

2. Bolsonaro disse hoje que uma das razões para as igrejas ficarem abertas é evitar suicídios. Ele repete com frequência que o distanciamento social aumentou em muito esse tipo de morte no Brasil. No entanto, jamais citou um número concreto para embasar essa tese. Há um motivo para isso: esses números não existem. Nenhuma pesquisa, no Brasil ou no exterior, estabeleceu até agora um nexo causal entre a pandemia e o aumento de suicídios. Pelo contrário. Um estudo publicado em janeiro pela revista Psychological Medicine, uma das mais importantes do mundo no seu segmento, revisou 25 estudos recentes, com 72.004 pacientes, e constatou a existência de “efeitos significativos, mas pequenos, na ocorrência de ansiedade e depressão” desde o início da pandemia, mas “efeitos não significativos para suicídio”. No Brasil, especificamente, o Atlas da Violência registra uma tendência no aumento de suicídios que já dura 30 anos. Assim, associar qualquer crescimento nas estatísticas especificamente à Covid-19 é pura e simples picaretagem. Seria bem mais fácil correlacionar a entrada em vigor do estatuto do desarmamento, em 2003, à redução dos suicídios por arma de fogo. Mas isso, Bolsonaro obviamente não faz, porque se choca com sua fixação fálica em pistolas e fuzis. Se estivesse realmente preocupado com os suicidas, o presidente inclusive evitaria falar a torto e a direito sobre o assunto, até mesmo lendo carta de despedida em live de quinta-feira. Isso é tudo que médicos e outros especialistas recomendam não fazer.

3. Bolsonaro não comprou vacinas da Pfizer no ano passado porque não aceitou uma cláusula do contrato que liberava a farmacêutica de responsabilidade por efeitos adversos do medicamento. Acabou comprando neste ano, e vira e mexe dá a entender que as condições contratuais mudaram. Não é verdade. As condições foram as mesmas: a Pfizer não será responsabilizada por problemas decorrentes da vacina. A diferença é que alguém usou a cabeça e adquiriu um seguro, que protege o governo caso alguém o processe dizendo que a vacina faz mal. Do ponto de vista da gestão pública, a solução é inteligente e já poderia ter sido adotada no ano passado. Mas a prioridade de Bolsonaro não é encontrar soluções para problemas reais, e sim impor sua visão de mundo.