O mandato de Jair Bolsonaro está acabando, mas ele ainda será lembrado por muito tempo. Isso ocorrerá não só pelas sandices ditas e pelo seu comportamento duvidoso, mas também pela herança que deixará no bolso dos cidadãos. Exemplo disso é o buraco que foi deixado no setor energético. De acordo com levantamento feito pela equipe de transição do presidente eleito Lula, o rombo desse setor pode atingir R$ 500 bilhões, que terão impacto direto na conta de luz, e consequentemente no bolso do consumidor, principalmente daqueles de baixa renda.

Levantamento realizado pela PwC Brasil, em parceria com o Instituto Acende Brasil, revela que quase a metade do valor pago pelos consumidores na conta de luz já é destinada a encargos e tributos dos três níveis da Federação (União, Estados e municípios). “O patamar da carga tributária mudou nos últimos anos e tem estado acima de 46%. Um peso elevado demais, que afeta a sociedade brasileira, em grande parte constituída por famílias de menor renda”, diz Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil. Esse componente tributário é um dos principais fatores a puxar para cima o custo da energia.

LINHA DE TRANSMISSÃO DA ELETROBRÁS Empresa privatizada em junho tem uma das tarifas mais caras do mundo (Crédito:Nelson Antoine)

De acordo com o estudo, de cada R$ 100 que o consumidor paga na conta de luz, R$ 46 são usados para pagar tributos e encargos. “Precisamos suspender de uma vez por todas a prática de se repassar aos consumidores os custos decorrentes de ineficiências setoriais ou de benesses a segmentos específicos”, diz Carlos Faria, diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace).

O estudo foi feito com dados de 2021, fornecidos por 45 empresas, o que representa 70% do mercado nacional de geradoras, transmissoras e distribuidoras de energia no País. Quando é feita uma análise segregada, a carga tributária consolidada em 2021, apenas por essas empresas analisadas, chegou a R$ 106,1 bilhões, perante aos R$ 95 bilhões recolhidos em 2020. Isso representa 46% da receita bruta das empresas, que chegou a R$ 230,7 bilhões.

Na prática, o cenário mostra que quase metade das contas não remunera os próprios agentes do setor, mas é usado para outra finalidade que não tem nada a ver com o setor elétrico. Em 2021, houve uma ligeira queda no percentual da carga tributária na conta de luz, já que os dados de 2020 indicam um peso de 49,1%, pouco acima dos 46% de 2021. A principal razão do percentual um pouco menor é a redução da quota de rateio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Mas os responsáveis pela pesquisa indicam que o orçamento da CDE para o atual ano prevê um aumento de 34%, alcançando R$ 32 bilhões até dezembro, fator que tende a elevar o peso da carga tributária no futuro.

“Quando comparado ao ambiente de pandemia de 2020, o ano de 2021 foi marcado pela retomada da economia e por um período de preocupações acerca do abastecimento de energia para o setor produtivo. Apesar disto, notamos nas demonstrações financeiras constantes da amostra de 2021 uma relativa estabilidade na participação dos tributos na cadeia de energia”, afirma o sócio da PwC Brasil Vandré Pereira, responsável pela pesquisa.

Para ele, caso seja mantido o ritmo de criação de novos subsídios e de aumento dos existentes, o setor de energia pode chegar numa situação insustentável. Informações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) corroboram o diagnóstico do especialista: a inadimplência entre os consumidores de baixa renda tem ficado acima de 40%. Num cenário de crise econômica como o que estamos vivendo, o desafio fica ainda maior, com as famílias tendo de escolher entre pagar a conta de luz e comprar comida.

“Quem consegue acessar a geração distribuída tem um ganho aí de curto, médio e longo prazo e quem não está aderindo continua numa tarifa cara. É um desafio”, argumenta Diogo Lisbona, pesquisador do FGV CERI. Entidades de defesa do consumidor e associações do setor elétrico pediram em carta aberta nesta semana a rejeição do Projeto de Lei 2.703/22, em discussão no Senado Federal, que prorroga os subsídios aos projetos de geração distribuída até 2045. “O PL 2.703/22 é um ‘Robin Hood às avessas’, pois os mais pobres – sem condições de instalar painéis fotovoltaicos – estão sendo obrigados a subsidiar os mais ricos, que podem optar por esses painéis”, avalia Clauber Leite coordenador de Energia do Instituto Polis.