“Para nós a injustiça é dupla”. As mulheres no Líbano participam de forma maciça do levante para denunciar um poder considerado corrupto e incompetente, mas também para denunciar que as priva de seus direitos e as faz sofrer discriminação.

Violência machista, matrimônios precoces, discriminação na custódia dos filhos e impossibilidade de transmitir sua nacionalidade à sua descendência: as queixas das libanesas abundam em um país com uma legislação muito conservadora, inclusive se em muitos aspectos a sociedade é uma das mais liberais do mundo árabe.

“Além do injustiça que o povo sofre, estão as leis discriminatórias para as mulheres”, disse Sahar, uma mulher na faixa dos 40 anos que participa de uma das numerosas marchas de mulheres organizadas em Beirute desde que começou o movimento de protesto contra o poder em 17 de outubro.

“Para nós, mulheres, a injustiça é dupla”, se indigna.

Centenas de mulheres e também os homens marcharam no começo da semana do Museu Nacional até a praça dos Mártires, epicentro dos protestos.

“Levante sua voz, o machismo deve ser eliminado”, gritavam os manifestantes ao ritmo da bateria. “Revolução feminista”, “Não vamos esperar que a revolução termine para reivindicar nossos direitos, nós somos a revolução”, você pode ler em várias faixas.

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Assim como os homens, as manifestantes denunciam a deficiência de serviços públicos, a escassez de água e eletricidade ou o desemprego juvenil. Mas elas também reivindicam um verdadeiro compromisso do Estado contra a violência de gênero, responsável pela morte de 37 mulheres desde o início de 2018, de acordo com a associação feminista Kafa.

Também querem revogar as diferentes leis que regem o status pessoal de cada comunidade religiosa – as disposições relacionadas a casamento, divórcio, herança ou guarda dos filhos – consideradas desvantajosas para as mulheres. Sem esquecer uma lei ultrapassada que impede que as libaneses transmitam sua nacionalidade a seus filhos.

– Sem influência religiosa –

“Não há um direito unificado para o estatuto pessoal, mas várias legislações em função dos tribunais religiosos das diferentes comunidades de Líbano”, lamenta Zoya Jureidini Rouhana, líder da associação Kafa.

Na comunidade sunita, as mulheres lutaram até obter em 2011 a custódia dos filhos até os 12 anos de idade. Entre as xiitas, as mães podem ficar com os filhos até os dois anos, e com as filhas até os sete.

No caso dos católicos são dois anos, antes que um tribunal decida em função do interesse da criança. Para os membros da Igreja ortodoxa grega são 14 anos para os meninos, e 15 para as meninas.

A idade legal para se casar varia de uma comunidade para outra, o que abre caminho para os casamentos precoces, especialmente entre as classes mais desfavorecidas.

“Essas leis são discriminatórias com as mulheres, sobretudo em relação ao matrimônio e à custódia dos filhos”, assegura Rouhana.

As manifestantes reivindicam uma legislação laica, a mesma para todo mundo, liberada da influência das autoridades religiosas.

“Quero um sistema laico e o fim dos tribunais religiosos que não protegem os direitos da mulher”, insiste Rim, estudante universitária de 24 anos.


– Símbolo da revolta –

Nos últimos anos, as ONGs de defesa dos direitos da mulher conseguiram alguns avanços, ao mobilizar a opinião pública e chamar a atenção dos meios de comunicação.

Em 2014, o país adotou finalmente uma ley que, pela primeira vez, pune a violência de gênero graças a uma campanha sem precedentes da sociedade civil, depois da morte de várias mulheres nas mãos de seus maridos.

A ONG Human Rights Watch (HRW), que celebrou um “avanço” quando essa lei foi adotada, havia lamentado “graves lacunas”, e que a legislação “não aborde de maneira adequada o risco de estupro conjugal”.

Desde o início dos protestos, uma mulher se tornou um dos símbolos da revolta popular depois de chutar um guarda ministerial armado com um fuzil automático, em Beirute.

O vídeo se tornou viral nas redes sociais e foi fonte de inspiração para artistas.

“A questão das mulheres faz parte integralmente da revolução”, afirma Rouba, uma advogada de 33 anos. “Uma revolução que não trouxer soluções para os problemas das mulheres é uma revolução truncada”, afirma.


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