Opostos Manifestantes vão às ruas em frente a uma igreja em Denver, Colorado, em apoio a mexicana que estava refugiada no local.
OPOSTOS Manifestantes vão às ruas em frente a uma igreja em Denver, Colorado, em apoio a mexicana que estava refugiada no local.

Era uma segunda-feira de primavera, em maio passado, quando a paulistana Andréa Araújo, de 26 anos, chegou ao bairro do Queens, em Nova York, para viver seu sonho americano de morar por pelo menos um ano nos Estados Unidos. A jovem estava ancorada no Au Pair, um programa de trabalho e estudo que garante legalidade aos imigrantes naquele país. Andréa foi recebida de braços abertos pela família que a acolheu em casa e rapidamente fez novos amigos. Tudo transcorria sob controle até que, em 9 de novembro, Donald Trump foi eleito presidente, contrariando pesquisas e previsões. “Estou com medo de sentir na pele as demonstrações de ódio que as pessoas começaram a sofrer em outros estados”, diz a jovem. “O receio é de que quem votou nele comece a atacar as pessoas.” A vitória do republicano foi a primeira de uma série de notícias ruins para os brasileiros e demais estrangeiros que vivem no país, principalmente aqueles que estão ilegais. A cada dia, o bilionário recrudesce seu discurso de intolerância e não esconde que quer expulsar todos os 11 milhões de ilegais. Na terça-feira 21, anunciou o plano de deportação que tira a prioridade de mandar embora apenas aqueles que cometeram crimes graves. A partir de agora, quem tiver em seu histórico qualquer tipo de delito entrará na fila para abandonar o sonho de viver na terra que até pouquíssimo tempo atrás era considerada a pátria da liberdade e da igualdade de oportunidades. “A notícia caiu como uma bomba”, diz Liliane Costa, diretora do Brazilian American Center, em Boston. “Os brasileiros estão muito preocupados e estão procurando se organizar.”

Defensores de Trump pedem a deportação de imigrantes ilegais em Los Angeles, na California
Defensores de Trump pedem a deportação de imigrantes ilegais em Los Angeles, na Califórnia

O discurso aclamado pelos americanos de que os Estados Unidos são o país da verdadeira democracia, liberdade e oportunidade fez com que milhares de estrangeiros tentassem a vida na América – por meios legais e ilegais. O país que hoje é governado por Trump é o que recebeu o maior contingente de imigrantes da história. Mas essa leva de estrangeiros tende a diminuir. Profissionais de empresas que trabalham na área de turismo, intercâmbio e recrutamento e profissionais entrevistados por ISTOÉ já sentem um recuo na procura por cursos, empregos e até viagens de lazer. Os brasileiros que lá estão, assim como Andréa, citada no início desta reportagem, se sentem intimidados diante da falta de receptividade do empresário alçado à Casa Branca e não sabem o que pode acontecer com seu futuro naquele País.

Segundo a professora de história da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rosana Schwartz, Donald Trump está tentando ressignificar vários momentos da história para os americanos. “Ele diz que o problema da situação econômica não é culpa deles, mas da grande quantidade de imigrantes no país que ocupam postos de trabalho.” Se a estratégia de Trump é disseminar o medo e mudar a versão dos fatos com a ajuda de seus apoiadores e eleitores, ele está conseguindo. A cidade de Governador Valadares (MG), que tem o maior fluxo de migração para os EUA desde os anos 1980, está desistindo do sonho americano. Segundo a agência local Carmim Turismo, em dezembro de 2016 20 pessoas foram encaminhadas para tirar o visto. Em janeiro, o número caiu para cinco. É o caso da agente de viagens Klíssia Mafra, de 23 anos, que adiou o processo para visitar a sogra que mora lá. “Não sinto a menor vontade de ir aos Estados Unidos por tudo que Trump tem feito e tenho receio de que seja negado por ser valadarense.”

Medo A paulista Andréa Araújo, morando em Nova York desde maio de 2016, está com receio de sofrer demonstrações de ódio
MEDO A paulista Andréa Araújo, morando em Nova York desde maio de 2016, está com receio de sofrer demonstrações de ódio

Mudança de planos

Apesar da desistência de muitos brasileiros, os Estados Unidos são o país que abriga a maior parte da comunidade brasileira que reside no exterior. Atualmente, cerca de 1,4 milhão vive lá. Em 2014, o número era de 1,2 milhão. Até a posse de Trump, a tendência era a continuidade desse processo migratório, mas com as políticas do republicano para conter a entrada de estrangeiros e seu discurso de repulsa a imigrantes, o crescimento pode estar com os dias contados. Não é apenas a população de Governador Valadares que está desistindo de estudar, morar ou até mesmo visitar o país. As políticas do presidente já têm afetado a vida de muitos brasileiros, mesmo o Brasil não sendo seu alvo principal. Preocupados, vários já estão mudando seus destinos. É o caso do estudante goiano de 18 anos Caio Paixão, que alterou os planos de cursar a faculdade de administração no campus de São Francisco da Hult International Business School. “Os Estados Unidos eram meu sonho, mas optei ir para Londres por conta das incertezas do governo Trump”, diz. “Minha família e eu ficamos receosos, não sabemos o que vai acontecer no país”.

Desistência A agente de viagens Klíssia Mafra, de Governador Valadares (MG), adiou a viagem aos Estados Unidos por conta do mal-estar causado por Donald Trump
DESISTÊNCIA A agente de viagens Klíssia Mafra, de Governador Valadares (MG), adiou a viagem aos Estados Unidos por conta do mal-estar causado por Donald Trump

Assim como Caio, outros estudantes têm mudado de plano. “Nos últimos meses, notamos alguns questionamentos individuais de alunos e pais, principalmente em relação à entrada nos Estados Unidos, mas a busca continua estável, especialmente agora que o verão no Norte se aproxima e regiões como a California e Nova Iorque estão na lista das preferências dos brasileiros. Aqueles que não se sentem tão confortáveis em viajar para os Estados Unidos nos dias de hoje, estão optando pela Inglaterra, Canadá, Malta e Austrália, dentre outros” Andréa Arakaki, Country Manager da EF Education First Intercâmbio. A tendência também foi observada pela advogada de Imigração Ingrid Baracchini em seus escritórios em Orlando, Miami e no Brasil. “As pessoas estão mais cautelosas e começaram a procurar orientação para solicitarem o visto mais adequado, apresentando dúvidas que antes da posse de Trump não existiam”, diz.

Para muitos imigrantes que já vivem nos Estados Unidos, a incerteza não é algo abstrato e sim uma realidade. Segundo dados do Departamento de Segurança Doméstica, 240.255 imigrantes sem documentos foram deportados em 2016. Com as medidas de Trump, o cerco irá se fechar ainda mais. “Nada vai acontecer do dia para a noite, mas os imigrantes estão com medo e mal têm atendido a porta quando alguém toca a campainha”, diz a professora de relações internacionais da ESPM, Raquel Rocha.

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Mudança As incertezas do governo americano fizeram o goiano Caio Paixão trocar São Francisco, nos EUA, por Londres, na Inglaterra
MUDANÇA As incertezas do governo americano fizeram o goiano Caio Paixão trocar São Francisco, nos EUA, por Londres, na Inglaterra

Segundo Schwartz, do Mackenzie, o temor não é à toa. As universidades nacionais e americanas estão recebendo diversas denúncias de demissões de mulheres brasileiras que moram nos EUA ilegalmente. As instituições estão dialogando e fazendo um levantamento para tabular os dados e entender a gravidade da situação para levar ao conhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU). “O discurso de Trump tem feito os donos das empresas contratarem americanos”, diz. “Agora, elas perderam o emprego e têm de viver 24 horas com medo de alguém encontrá-las.” A aposentada Jaqueline Dantas, de 54 anos, de Governador Valadares, conta que sua irmã, que preferiu não se identificar por medo de se expor, mora há 35 anos na Flórida e está apreensiva com a eleição de Donald Trump. “Dependendo da situação, ela pode até voltar para o Brasil, porque não sabe o que vai acontecer amanhã.” Liliane, do Brazilian American Center, também tem percebido o medo dos brasileiros. “A maioria está apavorada.”

A população de Governador Valadares (MG) está desistindo da vida nos EUA. Em dezembro, foram feitos 20 pedidos de visto. Em janeiro, o número caiu para cinco

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