Em acelerado crescimento econômico apesar da inflação ainda alta e da violência expandida com o narcotráfico, o México se prepara para eleger uma mulher à Presidência da República em 2 de junho. As prévias para a disputa dão conta de que Claudia Sheinbaum, a candidata governista, sairá vencedora para o mandato de seis anos porque acumula o dobro das intenções de voto sobre a rival Sóchitl Gálvez.

É uma situação inédita, como observa Flavia Loss, coordenadora da Pós-Graduação em Relações Internacionais da FESPSP, principalmente porque o país ainda é visto como extremamente machista — o que pode não aparecer nas pesquisas mas aflora nos frequentes questionamentos dos eleitores sobre a capacidade das candidatas. Além da Presidência da República, as maiores eleições da história do México preencherão 20 mil cargos eletivos, dentre eles 628 vagas no Congresso (500 deputados e 128 senadores).

“É um momento importante, sim, para as mulheres, enquanto cidadãs de um país latino-americano. Mas candidatas ainda sofrem muito em suas campanhas, porque são diminuídas e têm de ficar se explicando o tempo todo, ao contrário dos homens, que não passam por essa desconfiança tão profunda”, destaca a também professora do Instituto de Tecnologia Mauá. “De toda forma, é uma mudança positiva, de simbolismo histórico para as mexicanas. Tanto que o slogan da Sheinbaum é ‘México se escribe com M de madre e con M de mujer’. E também será importante pela mudança significativa na cabeça do eleitorado mexicano.”

Coalizão da candidata Sóchitl Gálvez, com 33%, vai de partidos da esquerda à direita (Crédito:Fernando Llano)

• Física e engenheira especializada em energia, Cláudia Sheinbaum Pardo, que completa 62 anos em 24 de junho, é de centro-esquerda, com forte agenda ambientalista, e se define como “cientista, humanista, mãe e avó”. Foi prefeita da Cidade do México pelo partido Morena, o mesmo do presidente Andrés Manuel López Obrador, de 70 anos. Representa a aliança Morena-PT-Verde.

Sua rival, a engenheira de computação e empresária Bertha Xóchitl Gálvez Ruiz, 61 anos e ascendência indígena, foi senadora e se declara “liberal progressista”. Encabeça a coligação Fuerza y Corazón por México, formada pelo PAM (de direita), PRD (de esquerda) e PRI (de centro-direita, que governou o país por 70 anos).

“É interessante ver que as duas se afastam da ideia de feminismo, visto como ‘ser radical’, quando a luta é pelo direito igualitário entre homens e mulheres”, observa Flavia. “E também das bandeiras mais ideológicas, principalmente a Xóchitl Gálvez, à frente de uma coalizão tão diversificada.”

Claudia Sheinbaum quer seguir com a “Quarta Transformação da História Mexicana”, como López Obrador chama seu projeto, afirmando que a primeira foi a Independência, no século XIX, seguida da Guerra de Reforma, uma espécie de modernização do país, passando à terceira com a Revolução Mexicana, no início do século XX.

López Obrador conseguiu imprimir sua marca de quem governa para todos e principalmente para ‘los de abajo’, lembra Flavia Loss, e assim sua candidata já carrega o capital político dele (o que também deverá se estender às eleições em geral, com o Morena mantendo sua maioria no Congresso).

López Obrador repassa capital político para sua candidata (Crédito: Eyepix / NurPhoto /)

Governo popular

A agência mexicana Enkoll avaliou entre 8 e 14 de abril as campanhas iniciadas oficialmente em 1º de março, em um momento com alta aprovação de López Obrador e importante para a nação, que desbancou a China como maior exportadora para os EUA. E isso, mesmo ainda seguindo com problemas graves:
feminicídios em pelo menos um terço dos cerca de 4 mil homicídios/ano;
tradição de assassinato de candidatos (foram 90 nas eleições legislativas de 2021 e já teriam alcançado 50 neste ano).

Segundo a pesquisa, Cláudia Sheinbaum tinha 60% e Xóchitl Gálvez, 33%, ficando Jorge Álvarez Máynez, 38 anos, do Movimiento Ciudadano, com 7%.

Uma observação de Flavia Loss sobre o terceiro colocado: “O Máynez é um candidato polido. Não usa a pegada de ‘macho’ para contrastar com elas e atrair uma suposta parte do eleitorado masculino”.

Para a professora, é difícil prever para que lado ele penderia. “Ideologicamente, está mais para o Moreno, partido do López Obrador, mas o Movimiento Ciudadano se coloca como grande alternativa ao governo… Ficaria estranho.”