Uma violação sem precedentes do território da Otan: 19 drones russos invadiram profundamente o espaço aéreo da Polônia durante a madrugada de quarta-feira (10/09). Caças poloneses e holandeses decolaram e destruíram vários dos aparelhos invasores.
O governo polonês descreveu o episódio como uma “provocação em grande escala” e, conforme o Artigo 4º da Otan, convocou consultas com os outros membros da aliança.
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Diante da guerra na Ucrânia e dos ataques híbridos da Rússia contra países ocidentais, já havia a preocupação de que o Kremlin poderia testar a coesão da aliança por meio de ações como essa. Na Lituânia, que, ao sul, faz fronteira com o nordeste da Polônia, esses temores já eram pronunciados antes do mais recente incidente.
A faixa fronteiriça que separa a Lituânia de Belarus, país aliado da Rússia, tem apenas cerca de 15 metros de largura. Com 600 quilômetros de extensão, conta com duas cercas metálicas. A do lado lituano tem arame farpado. Acima dela, câmeras de vigilância giram regularmente da esquerda para a direita, com um zunido, ampliando e reduzindo o zoom.
A Lituânia a construiu por receio de violações da fronteira. E essa preocupação agora se intensifica devido aos exercícios chamados de “Zapad” – em português, o nome significa “Oeste”.
De 12 a 16 de setembro, dezenas de milhares de soldados russos e belarussos participarão deles. Eles devem treinar com tanques e metralhadoras, mas também com o novo míssil supersônico russo Oreschnik, que supostamente também pode ser equipado com ogivas nucleares.
Esses exercícios conjuntos têm sido organizados desde 2009. No entanto, agora, são as primeiras manobras desse tipo desde o início da invasão da Ucrânia.
Em resposta a isso, guardas fronteiriços da Lituânia receberam treinamento adicional nas últimas semanas. Eles farão patrulhas extras durante os exercícios, explica o general Rustamas Liubajevas, do Serviço de Controle de Fronteiras do país.
“Desde a guerra na Ucrânia, vemos a Rússia ainda mais como um possível agressor. Esperamos violações das fronteiras, por exemplo, através da instrumentalização de migrantes, como já aconteceu no passado”, afirma à DW.
Segundo relatórios, a Rússia teria levado milhares de migrantes para Belarus em 2022, a fim de mandá-los através da fronteira para, entre outros países, a Polônia, supostamente para desestabilizar países europeus.
Além disso, segundo Liubajevas, a Lituânia se prepara para a possibilidade de soldados cruzarem a fronteira sem permissão ou mesmo enviarem drones nos próximos dias: “Já houve ataques híbridos desse tipo”.
Os países bálticos relatam a presença constante de drones que violam seu espaço aéreo. Em julho deste ano, dois deles voaram de Belarus para a Lituânia e foram derrubados. Em agosto, um drone com explosivos caiu na Polônia. Os 19 drones de agora, pouco antes do início da manobra “Zapad”, são considerados o maior incidente do tipo.
A preparação da Lituânia
A força militar da Lituânia, no entanto, também deve ser exibida. Nos próximos dias, o país organizará seus próprios exercícios militares junto com Polônia, Estônia e Letônia, com a participação de até 40 mil soldados.
Além disso, o país planeja aumentar o orçamento militar em 2026 para mais de 5% do Produto Interno Bruto (PIB). Para se ter uma ideia, em 2021, o orçamento para defesa era inferior a 2% do PIB.
Linas Kojala, chefe do Centro de Geopolítica e Segurança, um think tank com sede na capital lituana, Vilnius, acredita que o perigo é eminente no longo prazo: “A Rússia nos considera territórios que deveriam estar sob o controle do Kremlin”, diz.
“Embora eu não acredite que a Rússia invadirá a Lituânia em um futuro próximo, vamos ficar de olho para ver se as tropas agora estacionadas em Belarus permanecerão lá após os exercícios e se Moscou construirá uma infraestrutura de longo prazo que possa servir de base para um cenário de ataque em sete ou dez anos”, avalia.
A preocupação com tais cenários está muito difundida entre os lituanos desde o início da guerra na Ucrânia, segundo Margarita Šešelgytė, diretora do Instituto de Relações Internacionais e Ciências Políticas da Universidade de Vilnius.
“Logo após o início da guerra de agressão russa, muitos queriam emigrar. Alguns também se perguntam se deveriam deixar o país com suas famílias durante os próximos exercícios”, conta à DW.
Afinal, a guerra na Ucrânia começou de forma semelhante: “Primeiro, no final de 2021, a Rússia enviou tropas para exercícios na fronteira com a Ucrânia e, depois, não as retirou, de modo que elas puderam invadir a Ucrânia no início de fevereiro de 2022”, ressalta Šešelgytė.
Mas a cientista política também vê o risco de uma invasão russa mais a longo prazo: “Enquanto a Ucrânia não perder ou não houver um acordo de paz ruim, estamos mais ou menos seguros. No entanto, se a guerra na Ucrânia acabar em algum momento, poderemos ser os próximos da lista”, acredita Šešelgytė, que foi entrevistada antes das recentes violações do espaço aéreo na Polônia.
Países bálticos “estão no mesmo barco”
As mesmas preocupações dos lituanos são compartilhadas por Karlis Bukovskis, diretor do Instituto de Assuntos Internacionais em Riga, capital da Letônia, também vizinha de Belarus. Os três países bálticos, incluindo a Estônia, estão basicamente “no mesmo barco”.
“Nós nos vemos como uma unidade no que diz respeito à Rússia”, diz ele à DW, falando de um “trauma comum”.
“Por meio de uma cláusula adicional inicialmente secreta no Pacto Hitler-Stalin de 1939, a Alemanha nazista cedeu os Estados Bálticos à União Soviética, que mais tarde ocupou nossos países entre 1944 e 1991”, lembra.
Com o acordo, a Alemanha nazista e a União Soviética dividiram o Báltico e a Polônia em uma esfera de influência alemã e outra soviética. “Por isso, esses exercícios militares russos preocupam a todos nós”, enfatiza Bukovskis.
Atualmente, porém, também há razões para otimismo, segundo o cientista político: “Estima-se que este ano menos tropas participarão dos exercícios do que no passado, muito porque o exército russo está ocupado na Ucrânia. Além disso, milhares de soldados da Otan, de países como Reino Unido, Alemanha e França estão estacionados no Báltico. Isso nos dá esperança. Não estamos mais sozinhos”, argumenta.
Preocupação na fronteira
O casal Aida e Mechislav Taraschkevich, porém, estão preocupados com os próximos exercícios militares. Eles moram há quase duas décadas em uma das sete casas da vila lituana de Gulbine, a apenas sete quilômetros da fronteira com Belarus.
“Os exercícios militares estão prestes a começar, [por isso] todos na nossa vila estão muito preocupados com isso, ainda mais porque estamos vendo o que a Rússia está fazendo na Ucrânia”, diz Mechislav, de 59 anos, que, assim como sua esposa, trabalha em uma fábrica de carne de frango na região.
Aida acrescenta: “Não entendo por que as pessoas precisam lutar. Todos nós só queremos ter uma vida normal, fazer nosso trabalho e viver em paz nas nossas casas”.