Por Ana Mosquera

RESUMO

• Relatório de tendências globais aponta que coquetéis que lembram refeições estarão em alta em 2024
• Busca por sabores como o salgado e picante impulsiona a nova moda
• bartenders apostam em criações exóticas

A empresa líder mundial em previsão de tendências WGSN (Worth Global Style Network) anunciou na semana passada: os coquetéis inspirados em pratos vão liderar as cartas dos bares esse ano. Enquanto nos EUA já há drinque inspirado em pizza, com direito a parmesão, tomate e manjericão, em um bar na França uma bebida baseada no Nasi Goreng, prato típico da Indonésia, está presente.

No Brasil, estabelecimentos avançam em opções líquidas que remetem à culinária: das misturas mais óbvias, com tomate, às improváveis, combinadas com pão na chapa.

De acordo com o relatório e especialistas, a crescente investida se deve à busca por experiências sensoriais e sabores que fujam ao doce na coquetelaria: amargo, salgado, picante e umami — o quinto gosto.

“Mais de 70% das vendas de um bar que tem carta autoral é de drinques da casa, principalmente quando há um conceito. As pessoas estão buscando o que o lugar tem a oferecer, querem saber se o coquetel combina com a comida ou não”, diz Thiago Pereira, sócio do Krozta, na capital paulista.

Na carta do restaurante de influências italianas, dois drinques chamam a atenção: o Kroztoni, um negroni feito com Campari, vermute da casa e gim infusionado no soro de queijo de búfala (stracciatella), e o Breakfast Espresso Martini, que leva licor de tâmaras, bitter (amargo) de cacau e vodca com infusão de pão tostado na manteiga.

“É como um café da manhã dos adultos”, brinca Pereira, que sugere o consumo da bebida ao final da refeição. “Só não pode virar coquetel sólido, mais espesso, tipo milk shake.”

Ou seja, não precisa ter textura dentro do copo para remeter à refeição.

“A ideia é que você consiga consumir um legume ou algo salgado, mas com a leveza que te permita comer também. Não temos interesse em substituir o alimento pela bebida”, diz Chula Barmaid, consultora do Trópico, localizado no centro de São Paulo.

Ali, ela sintetizou da forma mais literal o que chama de “cozinha líquida”. “A maioria dos preparos passa por fogão, não faço nenhum xarope cru. O objetivo é utilizar os sorvetes, o milho, o tomate: tudo o que é ingrediente. Tem muito a ver com o conceito latino-americano, de quem gosta de comer, de mastigar.”

Queijo e palmito: união de gordura e sal em drinque do Trópico (Crédito: Rogerio Cassimiro)

O coquetel Doce Mistério conta com licor e sorvete de milho, rum e picles de mini milho tostado. O Jubiabá leva gim infusionado com maçã verde e vermute seco, palmito, gorgonzola e perfume de limão.

Pimenta biquinho, castanhas, torradinha e pimentão são insumos que aparecem nas composições do cardápio.

Ao passo em que os bartenders ganham tanta relevância quanto chefs de cozinha, cabe a eles garantir personalidade até nas horas de conforto. “O mais pedido da casa ainda é uma variante da Margarita, mas caprichamos na picância”, diz Chula.

Tipo Bloody Mary: ostra, vodka e suco de tomate no Le Jazz Petit (Crédito: Lucas Terribili)

Da terra ao mar

Outros bares possuem versões de drinques com sabor de cozinha. No Locale Caffé, o bartender Márcio Silva criou o Cannolo, que leva uísque filtrado em casca da sobremesa italiana cannoli e doce de leite, e uma mini versão da iguaria coroa a bebida.

No Nada, “speakeasy” do Preto Cozinha, o Brejosa é finalizado com presunto serrano desidratado, enquanto o Miserê conta com um camarão seco na borda, além de azeite de dendê na composição.

No Le Jazz Petit, o Oyster Shot consiste em uma ostra servida dentro da mistura de vodca, suco de tomate defumado e limão.

Parente próximo do Bloody Mary, um dos pioneiros da “cozinha líquida”, assim como o Dirty Martini, feito com a água das azeitonas e, por isso, mais levemente salgado do que o convencional Dry Martini.

Thiago Pereira, sócio do Krozta (Crédito: Rogerio Cassimiro)

Além do interesse por novos sabores citado na pesquisa do WGSN, Chula acredita que explicações quanto à tendência estejam no desapego em torno das receitas e no fortalecimento do vínculo entre bartenders e cozinheiros.
“Os ingredientes começam também a se misturar. Para você balancear um molho de tomate, usa-se açúcar. Para equilibrar o chocolate, na confeitaria, um toque de sal. Nessa pesquisa, os bartenders vão encontrando ingredientes que fazem muito sentido de se beber.”

Negroni com queijo de búfala e espresso martini com sabor de pão na chapa (Crédito: Rogerio Cassimiro)