Os agitados tribunais americanos compõem o cenário de Scott Turow. Desde o romance de estreia, “Acima de Qualquer Suspeita” (1987), esse ex-advogado criminal de Chicago hoje com 68 anos destacou-se no subgênero suspense de tribunal, não só por causa de suas tramas intrincadas, mas sobretudo pela densidade dos personagens.

[posts-relacionados]A fórmula o ajudou a vender 30 milhões de exemplares no mundo inteiro e trocar a advocacia pela literatura. Mesmo assim, não largou os tribunais, pois começou a explorá-los para produzir ficção. No seu décimo segundo romance, “Testemunha”, lançado no Brasil pela editora Record, Turow inova em dois pontos: trata de um fato histórico, a Guerra da Bósnia (1992-1995), e transfere a ambientação para o Tribunal Penal Internacional de Haia, que julgou e condenou os responsáveis por massacres no conflito.

Mistério

“Advogados amigos sugeriram que eu abordasse Haia e Bósnia”, diz Turow a ISTOÉ. “Gostei da premissa porque dava um bom thriller, mesmo que o Tribunal de Haia não seja o ambiente mais agitado do mundo — muito ao contrário.” O desafio era criar uma trama de mistério a partir de uma realidade entediante. Turow assistiu às soporíferas sessões do tribunal, mas não ficou satisfeito: “Para captar a atmosfera, viajei duas vezes para Haia e pude ver as sessões de perto. Encontrei algo parecido com um castelo da Disney, belo e imutável”.

A imaginação de Turow transformou o tribunal real em uma fusão entre os castelos da Disney e de Kafka, onde se revezam passagens de fantasia e paranoia. Ele colocou ali seu herói — como sempre, um advogado: Bill Ten Boom amarga a crise dos 50 anos e abandona a carreira para trabalhar no Tribunal de Haia. Recebe a missão de descobrir o destino dos habitantes da aldeia cigana de Tuzla que escaparam de um massacre liderado por um carrasco sérvio, Laza Kajevic: 400 pessoas foram lacradas em uma caverna para morrer de inanição. “A Guerra da Bósnia foi pródiga em massacres”, diz. “Infelizmente, não me faltaram modelos para a trama.” Kajevic foi inspirado no poeta e polítivo Radovan Karadzic, sentenciado a 40 anos de prisão por genocídio. “Para recriar um monstro, pesquisei muito”, diz “Concluí que a questão ética era obviamente dominante.”

Em “Testemunha”, como nos seus demais livros, Turow conjuga narrativa literária e cultura popular. “Alguns livros meus são mais literários que outros”, diz. “Em todos, tento prestar atenção nos personagens e no realismo psicológico.” Desta vez, uniu a condição humana ao pavor.

“A Guerra da Bósnia foi pródiga em massacres. Infelizmente, não me faltaram modelos para a trama”
Scott Turow, escritor