Dossiê aponta omissão da FA e 692 vítimas de abuso sexual em 35 anos no futebol inglês

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Sede Federação Inglesa de Futebol Foto: Divulgação FA

Um longo trabalho de investigação independente gerou um relatório que aponta para inúmeros abusos sexuais no futebol inglês entre 1970 e 2005. Além disso, a iniciativa independente apontou que a Federação Inglesa de Futebol (FA) não fez o suficiente para evitar que os abusos fossem cometidos ao longo do período analisado.

A denúncia foi publicada nos principais jornais da Inglaterra nesta quarta-feira (17). Com mais de 700 páginas e quatro anos de trabalho, o relatório elencou várias denúncias de abuso de treinadores.

“A FA agiu muito lentamente para introduzir medidas que garantissem a segurança das crianças. Houve falhas institucionais para as quais não há desculpas ”, descreve o relatório.

Apesar das críticas a FA, o dossiê apresentado por Clive Sheldon não conseguiu compravar a principal entidade do futebol inglês de complacência com os abusos. No entanto, o relatório ressalta que a instituição “não fez o suficiente para manter as crianças seguras”.

Entre os clubes nos quais foram identificadas falhas estão Chelsea, Aston Villa, Newcastle United, Stoke City e Southampton, entre outros, onde surgiram rumores de abusos sexuais ou reclamações mas não foram tratados de forma correta.

Ao todo foram 692 vítimas identificadas e até 240 suspeitos, além de 157 testemunhas ouvidas. Um dos principais casos envolve Barry Bennell, que atuou como treinador da base do Crewe Alexandra e do Manchester City durante as décadas de 1980 e 1990.

Dossiê aponta omissão da FA e 692 vítimas de abuso sexual em 35 anos no futebol inglês

Barry Bennell em pé ao lado de jogadores da base do City na década de 80 (Reprodução)

Citado em várias denúncias, Barry chegou a admitir 23 crimes sexuais contra seis crianças entre 9 e 15 anos. Ele foi preso por nove anos, mas ganhou liberdade em 2003 após um acordo judicial.

O início

A investigação começou após Andy Woodward, que jogou profissionalmente pelo Sheffield United, abrir o caminho explicando o abuso que sofreu de Bennell.

Solto em 2003, o técnico não foi vigiado de perto pela FA para que não retornasse ao futebol de base. Entre os clubes citados na investigação, o City e o modesto Creww Alexandra, atualmente da quarta divisão inglesa, podem ser acionados na justiça com pedido de indenização de oito vítimas de Barry.

Uma audiência preliminar foi realizada no ano passado e uma nova análise foi marcada para outubro deste ano. Caso seja aceita o requerimento das vítimas que possuem atualmente entre 40 e 50 anos, os clubes terão de indenizar os requerentes que alegam “consequências psiquiátricas gravíssimas”.

O que diz a FA?

Em resposta ao dossiê, a Federação Inglesa de Futebol emitiu um comunicado no qual usa o presidente-executivo da entidade, Mark Bullingham, para expor seu posicionamento sobre o caso.

“Tenho orgulho de liderar a FA e sei do impacto positivo que o futebol pode ter em todo o país. Tornar as pessoas ativas, aprender o poder do trabalho em equipe e se divertir juntos. Quando jovem treinador da equipe, vejo esse impacto todas as semanas.

“No entanto, hoje é um dia sombrio para o belo jogo. Um dia em que devemos reconhecer os erros do passado e garantir que fazemos todo o possível para evitar que se repitam.

Mark reconhece a importância do trabalho e pediu desculpas pela falta de monitoramento e cuidado da instituição com os jovens jogadores da época.

“Tive o privilégio de conhecer algumas vítimas, cuja coragem é inspiradora e cujas histórias são incrivelmente comoventes. Eles nunca vão esquecer o que aconteceu com eles, e este relatório agora vai garantir que o futebol também nunca se esqueça”, começou.

“Então, hoje me dirijo as vítimas diretamente, como as pessoas que mais importam. A eles eu digo: Vocês [vítimas] tem a mais profunda admiração da FA. Sua bravura ao longo desse processo tem sido incrível. Suas vozes têm sido muito poderosas”, disse.

“Gostaria de começar pedindo desculpas sinceras em nome da Football Association e do jogo inglês a todos os sobreviventes, por isso ter acontecido com você no futebol. Nenhuma criança deveria ter sofrido o abuso que você sofreu”, completa.

O diretor-executivo também fez questão de agradecer Clive Sheldon pelo dossiê e terminou reconhecendo a falha da entidade em coibir e facilitar os abusos sexuais no futebol inglês.

“Também gostaria de agradecer a Clive Sheldon QC e sua equipe por fornecer um relatório completo – e por sua dedicação a este importante trabalho, que envolveu entrevistar centenas de pessoas”, agradeceu.

“Para concluir. O futebol é importante. Pode ter um impacto muito positivo em jogadores de todas as idades e em nosso país em geral. […]Este relatório mostra que isso não acontecia nas décadas de 70, 80 e 90. Como jogo, falhamos em evitar esse abuso. Todos temos que aprender com isso, para proteger as gerações futuras. Continuaremos protegendo as crianças de o cerne de tudo o que fazemos. O passado nunca deve ser esquecido e nunca devemos ser complacentes”, finaliza.