Por Marcela Ayres

BRASÍLIA (Reuters) – O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou nesta terça-feira que a quitação integral dos precatórios calculados para 2022, da ordem de 90 bilhões de reais, atingiria as despesas do governo como um todo e não só o programa Bolsa Família, razão pela qual a União está trabalhando em proposta para flexibilizar as regras desse pagamento.

A fala vem após críticas de que, ao buscar ampliar as possibilidades de parcelamento de precatórios –que são requisições de pagamento expedidas pela Justiça após derrotas definitivas sofridas pelo governo em processos judiciais–, o governo estaria mirando a abertura de espaço orçamentário para impulsionar o Bolsa Família em ano eleitoral.

O presidente Jair Bolsonaro já afirmou que, para o ano que vem, o benefício médio do programa será de no mínimo 300 reais, ante cerca de 190 reais hoje.

Ao participar de seminário sobre o tema promovido pelo Poder 360, Guedes afirmou que o governo funciona com um Orçamento de 96 bilhões de reais e, por isso, a conta de precatórios para o próximo ano é considerada um “meteoro”.

Sem detalhar valores, ele afirmou ainda que o Bolsa Família já estava orçado “um pouco mais robusto” quando o governo foi informado da dimensão dos precatórios para 2022.

O Conselho Federal de Justiça envia para a equipe econômica em julho a conta de precatórios para o ano seguinte e os valores são levados em conta para elaboração do projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA), que deve ser encaminhado pelo governo até o fim de agosto ao Congresso Nacional.

“Não é propriamente só o Bolsa Família, são também todas as outras despesas”, disse Guedes, sobre a perspectiva de o pagamento de precatórios tirar espaço para outros gastos do governo sob a regra do teto.

O ministro reconheceu que o governo possivelmente dormiu no ponto em relação ao salto verificado na conta de precatórios ao assinalar que o patamar de pagamento, nos últimos anos, havia ficado entre 40 bilhões e 50 bilhões de reais.

“Nossa estimativa era em torno desse patamar, 40, 50 (para 2022). De repente dá um pulo para 90”, disse ele. “Você fala assim: vocês dormiram no ponto? Possivelmente sim, o governo em alguma coisa falhou.”

Contudo, ele pontuou que não havia muito o que pudesse ser feito, uma vez que a decisão sobre o pagamento de precatórios é dada por outras instâncias em relação às quais “não temos alcance, a não ser conversando”.

Em nota enviada à imprensa mais cedo nesta terça-feira, a Advocacia-Geral da União (AGU) afirmou que não houve qualquer atuação, de sua parte, “que pudesse ser considerada aquém daquela necessária a garantir a mais adequada e correta defesa judicial da União e de suas autarquias e fundações públicas federais –às quais se relacionam o montante do valor de precatórios”.

DETALHES DA PEC

No seminário, Guedes admitiu que o governo já redigiu esboço de Proposta de Emenda à Constitucional (PEC) para instituir uma nova dinâmica de pagamento para os precatórios, que tradicionalmente abarcam indenizações, benefícios e devolução de tributos contestados.

Segundo o ministro, a ideia é que o pagamento dos superprecatórios, de mais de 66 milhões de reais, seja escalonado, com entrada e mais nove parcelas. Por outro lado, o pagamento integral de causas de até 60 salários mínimos será garantido, acrescentou ele, em referência a um patamar de até 66 mil reais.

Ele também afirmou que, a exemplo do que é praticado por Estados e municípios, a PEC irá propor um mecanismo que limita o pagamento de sentenças judiciais a um percentual da receita corrente líquida.

Guedes não chegou a especificá-lo, limitando-se a tratar de um percentual de 2,5% como suposição. Depois, afirmou que o governo está trabalhando tanto com um percentual sobre a receita quanto com um indexador, como o IPCA, como sugestões.

“Vamos ver o que a classe política ou o próprio Supremo (Tribunal Federal) considera o mais conveniente”, afirmou.

Sob o arcabouço da PEC, os superprecatórios automaticamente seriam parcelados e as chamadas requisições de pequeno valor teriam o pagamento assegurado. No intervalo entre uma ponta e outra, os pagamentos seriam feitos pelo governo conforme disponibilidade orçamentária, obedecendo ao teto para pagamento de sentenças judiciais no ano.

“Nós fizemos os cálculos e achamos que todas as sentenças menores que 450 mil (reais) serão pagas à vista, pelo menos nos próximos anos”, estimou o ministro.

Guedes defendeu ainda que a PEC não propõe um calote, como tem sido apontado por analistas, e que constitui uma oportunidade de reordenamento de regras alinhada à capacidade de pagamento da União.

“Esses direitos estão muito longe de ser calote. Eles são um título, uma exigibilidade contra o governo brasileiro. Devo, não nego, pagarei assim que puder”, disse o ministro, complementando que há ainda uma proposta para criação de um fundo com recursos provenientes da venda de estatais para acelerar o pagamento dos precatórios.

No ano passado, o governo também havia discutido uma mudança mais abrangente no pagamento de precatórios. O senador Marcio Bittar (MDB-AC), que era relator do Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2021 no Congresso e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo, afirmou à época ter recebido sinal verde do Planalto para o novo Bolsa Família ser custeado com a limitação do pagamento de precatórios a 2% das receitas correntes líquidas e com o uso de parte de recursos do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Bittar anunciou sua proposta à imprensa no Palácio do Alvorada, ao lado de líderes do governo e do ministro Guedes.

A investida foi duramente criticada por agentes econômicos, que viram na solução uma saída artificial para uma despesa que, na verdade, seria apenas postergada.

(Por Marcela Ayres)

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