Um desenho do novo quadro político nacional esteve montado em Nova York e Dallas, na semana passada. Foi preciso sair do dia a dia de Brasília para a percepção com absoluta clareza do jogo de forças em andamento. João Doria, o governador de São Paulo e articulador de um arco de entendimentos com o Congresso e o Judiciário – que estiveram juntos com ele no Brazilian Investment Forum do Lide na Big Apple e em inúmeros outros convescotes por lá –, habilitou-se à corrida sucessória e é hoje definitivamente o candidato preferido nos corações e mentes de investidores externos para assumir a Presidência da República mais adiante, após o próximo escrutínio. Falta uma longa estrada até lá, mas as peças estão se movendo. O público presente ao que se convencionou chamar de Brazilian Week em Nova York se encantou com o estilo self-made-man de Doria e com as propostas que ele trouxe. Ninguém fala, o próprio nem toca no assunto, mas esteve implícito nas rodadas de conversas, nas exposições dos seminários, nos discursos dos dois, digamos, futuros adversários, que Doria está carimbando seu nome na cédula dos potenciais presidenciáveis. O próprio Bolsonaro, de Dallas, deixou claro o encontro de ambições mais adiante. “O nosso relacionamento está acima de quaisquer objetivos outros que possam haver entre nós”, afirmou na homenagem à posteriori que recebeu da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, após ter decidido dar “no show” na cerimônia oficial ocorrida dois dias antes no coração de Manhattan. A troca de mesuras foi recíproca. Doria, por sua vez, mostrou-se um ardoroso defensor da honradez do presidente. Não faltou a um único compromisso nas duas cidades. Esteve lá e cá no seu road show, participando de almoços no Bank Of América e no Citibank, na concorrida noite de financistas do Safra, na reunião do Council of the Americas com banqueiros norte-americanos e virou a estrela da festa no “Person of The Year” no lugar, justamente, do mandatário que era quem deveria ser reverenciado. Bolsonaro faltou porque não gostou das palavras atravessadas lançadas a ele pelo prefeito da cidade, Bill de Blasio, que o chamou de “racista, homofóbico e destrutivo”.

APUPOS E APLAUSOS Manifestantes e suas faixas tomaram as ruas da Times Square contra Bolsonaro, enquanto Doria era reverenciado pelo establishment político e econômico no evento da Câmara de Comércio

Também temia a onda de protestos que, de fato, aconteceu em frente ao Hotel Marriott Marquis, onde se deu a noitada de gala. Uma multidão ruidosa, com faixas, banda e gritos de “fascista” galvanizou as atenções em plena Times Square, com direito a televisionamento de emissoras locais. Cercado por alambrados e policiais instalou-se o “redoute critique” que moveu a própria algazarra, sem direito a drinks e acepipes. Na curta homenagem de Dallas também ocorreram manifestações, embora em menor dimensão. O retrato das diferenças de imagem no plano global é muito elucidativo do potencial desses dois políticos daqui para frente. O presidente Bolsonaro esta sendo alvo de queixas inclusive da comissão de Anistia Internacional, que ameaça lançar seu nome dentre aqueles que atentam contra os direitos humanos universais. Por essas e outras que Bolsonaro queima cartuchos preciosos no seu relacionamento externo. Ele passou seguidos vexames desde que os bufunfeiros da Câmara de Comércio resolveram lhe prestar a distinção. Ao menos três empresas – Delta Airlines, Consultoria Bain&Company e Financial Times Journal – desistiram de patrocinar o regabofe. Antes, o Museu de História Natural e o requintado restaurante Cipriani declinaram de abrigar a festa, em nome do zelo as suas tradições e reputação. Bolsonaro foi entendido por eles como um pária abominável que se insurge contra direitos individuais. Mau começo. Não bastasse tamanha humilhação, o portento de fast food americano, Burger King, em referência indireta à censura imposta pelo capitão reformado a uma campanha publicitária do Banco do Brasil, convocou gays e negros para participar de um comercial da rede. Bolsonaro anda em baixa nas terras de Tio Sam, muito embora tenha sido recebido de improviso pelo ex-presidente George W. Bush para uma conversa fora da agenda na Brazilian Week. Não foi sinal de status do brasileiro, apenas delicadeza do texano. Já Doria, por onde andou aconteceu. Tome-se a cena da própria noite do POY (como é tratado o “Person of The Year”), que reuniu o establishment político e econômico do Brasil e dos EUA. Ali a sua sagração foi inequívoca. Aplaudido de pé ao se dirigir com palavras duras contra o prefeito de Blasio pareceu entoar os brios de todos os brasileiros presentes. Mandou o petardo em inglês, “para que ele compreenda bem o que estou falando”. Antes mesmo de ler a mensagem, hurras e aplausos já davam conta do seu acerto. “Da próxima vez, Bill de Blasio, seja gentil com o presidente de nosso País. Seja gentil com todos os brasileiros que visitam a sua cidade. Apesar de você, Bill de Blasio, nós amamos Nova York e amamos os EUA”, disse, se apresentando como ex-prefeito da “terceira maior capital do mundo e, sobretudo, como brasileiro”. Só faltaram fanfarras ao final da fala. Entre os aplausos do salão e os apupos da rua, as diferenças de Doria e Bolsonaro estiveram marcantes e delimitaram o prestígio que separa hoje um e outro na disputa futura de poder.

EM NY E DALLAS Doria foi ovacionado no “Person of The Year” no lugar de Bolsonaro, que preferiu a homenagem em Dallas, após ser rejeitado na Big Apple

Doria, mais esperto e sensível, tem lançado os dados com cuidado cirúrgico, mantendo uma aproximação estratégica do atual chefe da nação. Elogia-o, o promove, o apoia em boa parte das ações. Articulador de mão cheia, virou o queridinho e parceiro de diálogo de quem interessa. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, lhe dá apoio. Dias Toffoli, presidente do Supremo, lhe é só sorrisos. Davi Alcolumbre, presidente do Senado, o considera uma referência. Enfim, todos dedicam a Doria a boa impressão que Bolsonaro não consegue angariar. O que leva à queda acelerada do respeito ao mandatário, inclusive entre antigos aliados, é em parte a pouca participação dele nos atos e fatos que estão interessando. A agenda das reformas, por exemplo, foi totalmente tomada pelo Congresso. Em outra esfera, enquanto Doria negociava a permanência de 1O mil empregos da montadora GM, fechando um pacto com fornecedores, sindicatos e gerando um programa de facilidades estruturais, Bolsonaro alegava que não tem como obrigar o mercado a contratar. No think tank do LIDE, no Metropolitan Club de Nova York, o trio, mais Doria, além dos governadores Romeu Zema, de Minas Gerais, e Eduardo leite, do Rio Grande do Sul, focaram carga nas reformas e Doria lembrou até as conquistas de negociações com fábricas como a GM.

BRAZILIAN INVESTMENT FORUM DO LIDE Mais de 100 empresários juntos para ouvir o que o Executivo, Legislativo e Judiciário planejam para reconsertar o País (Crédito:William Volcov)

Juntos demonstraram que os três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) estavam engajados, de maneira coesa, na causa de melhorias estruturais para o País. A não participação de Bolsonaro foi tipo a ausência que preencheu uma lacuna. Tanto lá como no POY. Rodrigo Maia, disparando uma espetada contra o descaso do presidente com temas urgentes, disse que a reforma iria sair, mesmo com o governo atrapalhando. “Todos nós, em conjunto, precisamos pensar em saídas para o crescimento do País. Temos de, em conjunto, ter a coragem de enfrentar a redução de despesas”. A repetição do mantra “em conjunto” não era ao acaso. A política do Executivo de deixar assuntos áridos para os outros foi sistematicamente questionada naquele convescote. Alcolumbre pontuou que é preciso resgatar a confiança e a credibilidade no Brasil, hoje perdida. “Vamos fazer isso a partir de medidas legislativas que estão em nossas mãos”. A mal velada mágoa de congressistas durante o Brazilian Investment Forum – que pela representatividade dos Três Poderes se converteu no mais concorrido e relevante evento daqueles dias, com overbooking de registros – esteve presente nos recados. O magistrado Toffoli, do Supremo, apelou ao resgate da segurança jurídica. Conclamou a sociedade a evitar o excesso de processos. “Temos que diminuir a litigiosidade”, afirmou. E estava se referindo também as medidas apelativas de parlamentares e do próprio Executivo contra as reformas em andamento.

Bolsonaro era um laureado acuado e temeroso que dedicou seu discurso aos inimigos imaginários de sempre

Enquanto isso, em Dallas, Bolsonaro se mostrou um laureado acuado e temeroso. Contra o protesto e batuque na porta, entrou por uma ala fora do campo de visão dos manifestantes. Dedicou-se, no discurso de premiação e na entrevista dada logo após para jornalistas, aos ataques de sempre que só alimentam mais repulsa a sua figura. Tome-se a já amplamente divulgada classificação de “idiotas úteis”, dirigida aos manifestantes que lotaram o País contra o congelamento de gastos na Educação há alguns dias. Bolsonaro não poupou xingamentos como “imbecis”, “massa de manobra” e quetais para tratar dos estudantes. Também enviou petardos à Argentina, falando do temor de ter Cristina Kirchner – que já desistiu da candidatura e sairá para vice – reassumindo o comando da Nação. Os críticos de sua gestão se refestelaram. O pendor autoritário de Bolsonaro é revelador da inabilidade para o cargo que ocupa. Ao menos aos olhos da comunidade internacional, seu estilo tem virado alvo de chacota. O neoadversário Bio de Blasio adorou o cancelamento da participação em Nova York e o chamou de “fujão”, “covarde”, dentre outros epítetos desabonadores. Vitória da antidiplomacia. Bolsonaro parece não ter compreendido ainda a real dimensão de um mandatário. Críticas existirão sempre, obvio. Protestos, idem. Gestos ofensivos, como o de empresas que retiraram a participação do POY devido seus rompantes, eram previsíveis. Caberia a ele, se ainda almeja costurar alguma projeção externa, reagir habilmente aos contratempos, encarando de frente as adversidades. Mas não é de seu feitio. Nas tratativas de Dallas, entre ruídos de talheres e tilintar das taças de champanhe, Bolsonaro, embora homenageado, parecia se sentir realmente como um ser fora de seu habitat. Cumprimentava com solene timidez, evitava as grandes rodas, se recolhia entre os assessores, pouco dado ao cerimonioso ritual do grand monde. Em que pese a profusão de convivas a buscar um abraço ou mero aperto de mãos, ele driblava as gentilezas. Falou por exatos 11 minutos e recebeu apenas aplausos protocolares. A impressão que restou: Dentre ele e Doria os tubarões do mercado já têm um preferido.

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Doria articulou inúmeros encontros com a comunidade financeira internacional para angariar investimentos


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