O empresário e ex-governador de São Paulo João Doria alfinetou o governo federal e criticou o fogo-amigo interno contra o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pressionado pela ala política do Palácio do Planalto. Em entrevista à IstoÉ, Doria elogiou o trabalho do ministro, mas disse que a política tem atrapalhado o trabalho do chefe da Economia.
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Fernando Haddad é alvo de críticas internas de petistas pelas sinalizações e a política de contenção de gastos praticadas pelo ministro. Em um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ministros e aliados mais próximos culparam Haddad pela crise atual na imagem do governo.
Para Doria, o ministro da Fazenda tem saldo positivo de acertos e vê as críticas à ele como infundadas. Ele aponta estranheza nas críticas em meio à evolução econômica do país.
“Em relação à economia, a economia não vai mal. O que vai mal é a política que interfere na relação econômica e na chamada política econômica. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem cumprindo bem o seu papel de maneira geral, com muito mais acertos do que erros”, afirma.
“Não errou na maioria das suas formulações, mas foi atropelado por posições políticas do seu próprio partido e por uma artilharia surpreendente daqueles que fazem parte do seu partido, que é algo estranho”, completa Doria.
Na visão de Doria, é “incompreensível” os ataques que ele recebe de dentro do próprio partido e vê as ações atrapalhando o avanço econômico do país.
“Ele é integrante do PT praticamente desde a fundação do PT e é uma pessoa querida pelo presidente Lula, o que torna ainda mais incompreensível os ataques que tem recebido do próprio partido ou pelo menos de algumas lideranças do Partido dos Trabalhadores”.
“Isso dificulta o trabalho do ministro da Fazenda. Tenho dito nos últimos dias, deixe o ministro trabalhar, deixe o ministro Fernando Haddad produzir o seu trabalho, porque se ele seguir com apoio, ele terá mais chances de êxito e tendo êxito, tudo melhora na economia brasileira”, ressalta o ex-chefe do Palácio dos Bandeirantes.
Mesmo com elogios à economia, o país enfrenta um período de alta inflação e juros acima da casa dos 14% ao ano. Nesta semana, o Banco Central anunciou o reajuste da taxa Selic para 14,25%, a maior taxa em nove anos.
Doria culpa a alta nos juros pela insegurança de mercado passada pelo governo nos últimos meses. Ele classifica como “desastroso” o anúncio de corte de gastos feito por Haddad no fim do ano passado.
“A taxa de juros aumentou e vai voltar a aumentar. Quem tem culpa nisso? O próprio governo. O governo gerou uma insegurança de mercado no final do ano passado enorme e essas inseguranças se refletiram efetivamente na taxa de juros”, declarou.
“Poderíamos estar com as taxas descendentes. Aquele anúncio no final do ano, infelizmente, foi desastroso. Com insegurança, a taxa de juros aumenta porque quando você emite mais dinheiro, você impulsiona a inflação. Quem paga essa conta, João? Os mais vulneráveis. As pessoas mais pobres”.
Apesar do compromisso da Fazenda em conter gastos e o Orçamento de 2025 prever superávit de R$ 15 bilhões, Doria é pessimista sobre os gastos do governo e vê falta de sinais claros sobre o compromisso. Ele ainda critica a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, que, em sua avaliação, afetará a arrecadação do governo, pressionando as contas públicas.
Isso que, aliás, está se tentando aprovar agora no Congresso, a liberação do Imposto de Renda, isenção completa para quem ganha até R$ 5 mil. São bilhões de reais que o governo deixa de arrecadar para colocar a sua conta fiscal em equilíbrio. E, ademais, o governo não dá sinais claros e patentes de que vai manter controle fiscal. Os setores produtivos e o mercado como um todo respondem com insegurança.
Leia a entrevista completa
A gente vê muito essa situação do trabalho CLT, do empresariado, muita gente deixando o CLT e partindo para o empresariado. Eu queria saber do senhor o que nós podemos tirar de referência dessa associação e também quanto que o setor vai se desenvolver nos próximos anos aqui no Brasil, o setor empresarial em específico.
Acho que são duas respostas, uma em relação à economia e outra em relação ao trabalho. Em relação à economia, a economia não vai mal. O que vai mal é a política que interfere na relação econômica e na chamada política econômica. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem cumprindo bem o seu papel de maneira geral, com muito mais acertos do que erros.
Tem dialogado bem com os setores produtivos, tem tido sensibilidade de ouvir todos os setores produtivos do país, o agronegócio, o setor industrial, o setor de comércio, tecnologia, serviço, ciência e obviamente também o setor financeiro. Não errou na maioria das suas formulações, mas foi atropelado por posições políticas do seu próprio partido e por uma artilharia surpreendente daqueles que fazem parte do seu partido, que é algo estranho. Ele é integrante do PT praticamente desde a fundação do PT e é uma pessoa querida pelo presidente Lula, o que torna ainda mais incompreensível os ataques que tem recebido do próprio partido ou pelo menos de algumas lideranças do Partido dos Trabalhadores.
Isso dificulta o trabalho do ministro da Fazenda. Tenho dito nos últimos dias, deixe o ministro trabalhar, deixe o ministro Fernando Haddad produzir o seu trabalho, porque se ele seguir com apoio, ele terá mais chances de êxito e tendo êxito, tudo melhora na economia brasileira. E aí sim, vem a segunda parte da resposta.
Melhorando a economia ou estabilizando-se a economia numa visão de curto, médio e até de longo prazo, isso se torna, se transforma em geração de emprego. O empresário, sobretudo o grande empresário, ele investe quando ele tem segurança jurídica, quando ele tem confiança na economia e no país. Caso contrário, ele se retrai, ele vai com mais cautela, com mais cuidado.
O médio empresário, também nessa linha. O pequeno sobrevive, como pode, da forma que pode, do jeito que ele consegue. O micro empresário, então, esse é um sobrevivente.
Mas, se a economia tiver um pouco mais de estabilidade, nós vamos crescer muito na geração de mais empregos. E é preciso que o governo federal invista junto com o sistema S e junto com os estados que possuem escolas técnicas de ensino, como é o caso de São Paulo, que tem o Instituto Paula Souza, com a Etecs, com as Fatecs, que é uma referência exemplar a nível nacional, na formação de mão de obra. Tem vários setores que tem oferta de emprego e falta de mão de obra qualificada.
Vou dar um exemplo concreto. O setor supermercadista. Os supermercados novos que estão se abrindo em São Paulo, na região Sul-Sudeste do país, falta mão de obra.
Eles alcançaram 70% da sua disponibilidade. Empregatícia tem 30% de lugares não ocupados por falta de mão de obra qualificada. E, olha, nós estamos falando de açougueiros, repositores, caixas.
Não estamos falando de nada altamente sofisticado. São profissionais que com o mínimo de qualificação podem obter o emprego com carteira registrada e com salários variando de R$ 1.600 até R$ 4.000. Há dificuldade. Estou dando um exemplo de muitos setores.
E ainda no setor empregatício, João, como você mencionou, há um enorme interesse, sobretudo os jovens, de atuarem mais como empreendedores e menos como funcionários. O que exige um esforço redobrado na formação dessa mão de obra, ainda que não tão jovem. Mas não há problema.
Não se discrimina idade no emprego e sim qualidade. O que se deseja é qualidade, não necessariamente baixa idade. E esses jovens empreendedores não querem um registro em carteira.
Eles querem ser empreendedores. Eles são pessoas jurídicas. Se houver um aprimoramento na legislação brasileira e um respeito melhor nessa relação empregador-empregado, como acontece nos Estados Unidos, na América não tem tribunal do trabalho.
Não existe. Justiça trabalhista não há nos Estados Unidos da América. Há uma relação de contrato, contratante contratado.
Quando termina o contrato, ou quando uma das partes entende que tem que terminar a sua ação, não há indenização, não há processo indenizatório. Simplesmente se desliga e o empregador vai buscar um outro empregado e o empregado vai buscar um outro empregador.
Comentando nesse começo de entrevista sobre a economia do Ministério da Fazenda, hoje nós temos uma conta um pouco ingrata. A inflação está alta. A gente vê o preço dos alimentos disparando nos supermercados. Paralelo a isso, a gente vê uma taxa de juros se aproximando dos 15%. Nos próximos dias, deve aumentar cada vez mais. No final do ano, a gente deve chegar nesse patamar. Olhando para o empresariado, qual é o impacto dessa matemática que nós temos hoje e como fazer para reduzir esses números, tanto para o empresariado como para a população de modo geral?
De fato, o seu enunciado está correto e é verdadeiro. A taxa de juros aumentou e vai voltar a aumentar. Quem tem culpa nisso? O próprio governo. O governo gerou uma insegurança de mercado no final do ano passado enorme e essas inseguranças se refletiram efetivamente na taxa de juros.
É assim que funciona. A taxa de juros não é uma deliberação do Banco Central para aumentar ou abaixar simplesmente pela vontade dos diretores do Banco Central ou do presidente do Banco Central. É uma circunstância de leitura de mercado.
Poderíamos estar com as taxas descendentes. Aquele anúncio no final do ano, infelizmente, foi desastroso. Isso que, aliás, está se tentando aprovar agora no Congresso, a liberação do Imposto de Renda, isenção completa para quem ganha até R$ 5 mil.
São bilhões de reais que o governo deixa de arrecadar para colocar a sua conta fiscal em equilíbrio. E, ademais, o governo não dá sinais claros e patentes de que vai manter controle fiscal. Os setores produtivos e o mercado como um todo respondem com insegurança.
Com insegurança, a taxa de juros aumenta porque quando você emite mais dinheiro, você impulsiona a inflação. Quem paga essa conta? Os mais vulneráveis. As pessoas mais pobres.
Eu quero entrar agora na política internacional, até fazendo uma transição da economia para a política. Nós temos o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, taxando todo mundo, inclusive o Brasil. E, paralelo a isso, ele também tem aquele medo do Brasil se aproximar cada vez mais da China.
Isso segundo interlocutores da Casa Branca. Eu queria saber do senhor o seguinte. Os Estados Unidos, ele tem capacidade de se isolar da forma que ele está se isolando economicamente? Mesmo sendo a maior economia do mundo, porque ele está se isolando com o Brasil, está se isolando com o México, com o Canadá e até, parcialmente, com a Europa. Além, obviamente, da própria China. Os Estados Unidos, ele tem condição de se isolar dessa forma? E hoje o Brasil, com essa taxação imposta pelos Estados Unidos, consegue encontrar opções para importar de outros países o material que é importado de lá?
Bom, é uma decisão do governo americano. É a maior potência econômica do mundo. Uma decisão errada, mas é uma decisão soberana do governo Donald Trump. O isolacionismo é um erro, é um equívoco. O mundo está globalizado. Já há quase duas décadas que o mundo é um mundo global. Não há um mundo individual.
Não há um mundo Trump da alegria, da satisfação apenas com os recursos do mercado interno, o consumo do mercado interno e a produção americana para você garantir essa autonomia. É impossível isso. Isso é um sonho de verão e um sonho de verão que não se perpetuará, porque ele não se materializa.
Mas, enfim, essa é uma decisão do governo americano. Para o Brasil, mais especificamente, pode ser uma oportunidade. A dificuldade que se apresenta nas limitações para as exportações brasileiras e a imposição de taxas sobre a balança comercial brasileira pode significar uma boa oportunidade, entre outras, por uma aproximação maior com a China, como você falou, por uma aproximação que ainda não existe com a Índia, que é um grande mercado, com a retomada da relação com a União Europeia, que também está sofrendo consequências retaliatórias por parte do governo americano.
Um novo olhar também para o próprio continente latino-americano. O Brasil ficou distante dessa visão latino-americana, como ficou distante do próprio Mercosul. Novas pontes com a África, principalmente com os países que têm mais força econômica na África.
Não são poucos. É um continente também com boas perspectivas, mas o Brasil sempre ficou muito distante do continente africano. Há muitas oportunidades.
É preciso que o Brasil tenha vigor, capacidade e busque esses mercados. E aí não é uma questão só de governo. O próprio setor privado precisa ser mais agressivo na busca desses mercados.

João Doria, empresário e ex-governador de São Paulo, em entrevista à IstoÉ
Vamos entrar agora na área política porque o senhor tem participado mais ativamente dos eventos do seu grupo empresarial, o LIDE, de onde nós estamos gravando agora. Inclusive com participações diretas nas articulações para convites de grandes nomes, como por exemplo o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, e também o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso. Essa entrada, essa retomada de João Dória no setor de articulação política é um reposicionamento político? O senhor cogita em voltar, mesmo que seja nos bastidores, a articular politicamente?
Primeiro, nenhuma intenção de voltar à política, nem fazer parte dela, nem influenciar a política. Zero. Eu tomei a decisão de sair da vida pública, sair da política e sair de partidos. Sem mágoas, sem ressentimento e reconhecendo o valor da política.
É importante. Não há democracia sem atividade pública, não há democracia sem congresso, não há democracia sem judiciário, não há democracia sem o exercício do contraditório. Mas eu tomei uma decisão, virei essa página e estou de volta ao setor privado.
Obviamente, como cidadão, quero contribuir com o meu país. Eu não estou fugindo do Brasil, nem me ausentando do Brasil, nem desejoso de morar fora do Brasil. Embora eu respeite as pessoas que tomaram ou que pretendam tomar essa decisão, cada cabeça tem a sua sentença e tem a sua consciência.
A minha é continuar no Brasil e continuar lutando pelo Brasil. Tudo aquilo que eu puder fazer, através do LIDE, através do nosso trabalho, para promover o Brasil, estimular a geração de novos investimentos e com isso mais empregos e mais prosperidade, nós vamos fazer e é o que temos feito nesses últimos três anos. O LIDE tem 22 unidades fora do Brasil, portanto, 22 países com os quais nos relacionamos.
Temos 26 unidades aqui no Brasil, praticamente todos os Estados brasileiros. Temos mais de 4.200 afiliados, o que representa uma força considerável no plano empresarial e esse bom exercício, comandado por 36 diferentes áreas que vão da economia, saúde, da educação ao meio ambiente, que nos faz uma instituição respeitada no Brasil e no exterior.
O senhor foi candidato à presidência da República em 2022, deixou a vida pública oficialmente em 2022, mas foi pré-candidato à presidência da República pelo PSDB. Antes disso, o senhor foi governador do estado de São Paulo, o estado mais rico do Brasil e também prefeito da maior cidade da América Latina. O senhor foi candidato à presidência da República deixando com apenas quatro anos, oito anos no máximo de vida pública. O senhor acha que a decisão de ser pré-candidato à presidência da República naquela época foi precipitada?. O senhor se arrepende de alguma forma, de alguma coisa, quando o senhor entrou na política?
Começando pelo final. Nenhum arrependimento, nem nenhuma mágoa. Eu gosto da política e tive um intenso e importante aprendizado. A política ensina muito. Ensina você na sua vida, na sua vida pessoal, na sua vida profissional e na sua vida empresarial.
Traz grandes e boas lições. As boas e as más. Porque das más lições, você tira o aprendizado também.
Das dificuldades, dos tropeços, você sempre tem um aprendizado importante. Não há vitorioso no mundo, em qualquer atividade, que não tenha cometido algum equívoco, algum erro, ou que tenha tropeçado ou que tenha enfrentado alguma adversidade. A política é cheia de adversidades e cheia de adversários também.
Mas é parte da política, isso é a essência da política. O contraditório, mais forte, mais justo, mais injusto, é parte do cotidiano da vida pública em qualquer país. Não é um privilégio do Brasil.
Eu tomei a decisão, eu fiz seis anos de vida pública. Ganhei todas as eleições que disputei. Disputei três prévias do PSDB.
Eu só tive um partido, o PSDB, durante 22 anos. Não fui candidato de ocasião, não fui filiado de ocasião. Eu já era filiado ao PSDB 15 anos antes de disputar o primeiro mandato pelo PSDB.
Fiz a opção como cidadão. Sempre gostei do PSDB, de muitos dos seus líderes, Franco Montoro, Mário Covas, José Serra, Fernando Henrique Cardoso, só para citar alguns, sem deixar de considerar outros grandes nomes da vida política do PSDB, o próprio Geraldo Alckmin, mas sem fazer o exercício de participar de campanhas. Disputei a Prefeitura de São Paulo, até hoje foi o único eleito em primeiro turno na história política de São Paulo.
Na sequência, disputei as prévias do PSDB para o Governo do Estado. Venci as prévias, venci a eleição para o Governo do Estado. Disputei as prévias presidenciais.
O PSDB fez prévias para a Presidência da República com bons candidatos. Eu estava entre eles e venci novamente as prévias do PSDB. Depois, o meu partido, por razões que eu desconheço ou que não tenho a informação completa, decidiu que eu não deveria ser candidato do PSDB, mesmo tendo vencido as prévias do PSDB.
Aí eu julguei que era o momento de encerrar a minha vida política e a minha vida partidária. Sem acusar ninguém, sem levantar o dedo a ninguém, não gritei com ninguém, não critiquei ninguém, não acusei ninguém. Simplesmente encerrei o meu período de vida pública depois de seis anos de exercício e de vitórias.
Três prévias vitoriosas e duas campanhas eleitorais majoritárias difíceis nos dois maiores polos eleitorais do país. No âmbito das cidades, a cidade de São Paulo. No âmbito dos estados, o estado de São Paulo.
Só não disputei a eleição presidencial. Mas, renovo. Sem mágoas, sem ressentimentos, só guardo as boas lembranças e os bons amigos que fiz na vida pública.
Em relação à primeira questão, sobre se o senhor foi precipitado ao se candidatar à presidência da República, o senhor acredita que não era o momento certo, ou era o momento certo, deveria ter arriscado, ou o senhor poderia disputar a reeleição em São Paulo?
Primeiro, eu sempre fui contra a reeleição. Continuo sendo contra. Acho a reeleição um mal para o Brasil, que é o que me cabe analisar. Eu sou um cidadão brasileiro e vivo aqui. Acho ruim a reeleição. Não critico os que disputam nem os que defendem. Eu, pessoalmente, sou contra a reeleição. Acho que deveríamos ter apenas um mandato, sem direito à reeleição, e um mandato de cinco anos para prefeitos, governadores e presidência da República, sem direito à reeleição. Então, eu sempre me posicionei contra a reeleição.
Razão pela qual não poderia disputar a reeleição, mudando a posição que eu mesmo sempre defendi. Continuo a defender. E é muito relativo isso de oportunidade ou não, deveria ou não.
Quando me lancei candidato à prefeitura de São Paulo, eu fui muito criticado. Imagina, um outsider, alguém que está fora da política para disputar um mandato de prefeito de São Paulo, tem a menor condição, a menor chance que bobagem, que vaidade, que precipitação, que erro, que equívoco. Houve adjetivos de toda a ordem.
E eu venci. E venci no primeiro turno. A eleição surpreendendo a todos. Venci bons candidatos. Eu quero deixar claro que Fernando Haddad era prefeito de São Paulo. E um nome importante, significativo. Tinha sido eleito no primeiro mandato para comandar a cidade de São Paulo. Disputou a reeleição e perdeu. E nunca deixamos de ser amigos. Queria até fazer essa ressalva e até hoje nos mantemos nessa condição. Marta Suplicy disputou também naquele momento.
Tinha sido prefeita e perdeu. Luiz Erundina, ex-prefeita, disputou e perdeu. Celso Russomano, que sempre foi muito votado, disputou e perdeu.
Perder ou vencer também faz parte do jogo político. Não estou enfatizando aqui a perda para diminuir a importância de quem quer que seja. Mas eu venci aquela eleição e venci no primeiro turno.
Com todos que diziam que era uma precipitação, que era um erro, que era um equívoco. Depois, novamente, o governo do estado de São Paulo. Mais críticas ainda.
Deixou o seu mandato como prefeito para disputar o governo de São Paulo. Vai perder. Vai ser condenado pelos eleitores de São Paulo porque não cumpriu a totalidade do seu mandato como prefeito de São Paulo.
E venci as eleições. Eleições também difíceis. Candidatos fortes e bons que disputaram o governo em 2018 do maior estado do país.
E nas prévias também diziam que eu não venceria as prévias em 2022 para a presidência da República. Que ganharia Eduardo Leite, que era um dos candidatos. Eram quatro candidatos nas prévias do PSDB.
Eduardo Leite, José Aníbal, que então é senador da República, e o senador e ex-prefeito de Manaus. Eram quatro. Comigo, quatro. Todos bons candidatos. O Arthur Virgílio, o José Aníbal e o Eduardo Leite. E diziam claramente, o João Dória não vai vencer, vai vencer o Eduardo Leite. E eu venci as prévias do PSDB. Não foram prévias fáceis, foram prévias difíceis. Então, acumulei vitórias. Mas, repito, o partido tomou a decisão sequer de indicar um candidato, respeitar a decisão dos filiados, que votaram nas prévias, e tomou a decisão de escolher uma candidata de um outro partido para disputar pelo PSDB.
Eu acho que foi um equívoco do PSDB, independentemente da minha posição. Veja hoje em que situação está o PSDB. Eu lamento muito que um partido construído sob a égide de Franco Montoro, Mário Covas, José Serra, Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin, tantas figuras importantes hoje, tenha minguado e se torne um partido tão pequeno e tão inexpressivo.
Uma pena para uma história tão robusta na democracia brasileira, construída pelo PSDB.
Antes de eu falar do PSDB, que eu acho que é um ponto interessante, que a gente precisa entrar, justamente pela tua história dentro do partido, o senhor citou que foi um erro o PSDB não ter lançado candidato à presidência da República em 22. Por que exatamente o senhor tem essa visão de ser um erro e quanto que aquela decisão de 2022 impacta no que está o PSDB hoje?
Um enorme equívoco. Aliás, quem pondera e justifica isso muito bem é Marconi Perillo, um político experiente, respeitado, governador do estado de Goiás quatro vezes, senador da República, embora jovem, um homem experiente na vida política e hoje presidente nacional do PSDB. Em repetidas entrevistas, ele menciona isso. Foi um erro marcante do PSDB não ter tido uma candidatura própria em 2022.
Comprometeu a eleição ou reeleição de governadores, deputados federais, senadores, deputados estaduais. Foi um desastre como medida, como a opção feita de não ter um candidato, sendo que tinha um candidato eleito pelas bases nas prévias. O PSDB até hoje foi o único partido no Brasil, João, que fez prévias.
Prévias para valer, só o PSDB fez. Fez para a Prefeitura de São Paulo, fez para o Governo de São Paulo e fez para a Presidência da República. Um erro.
Eu só lamento, estou fora da política, não quero ser juiz deste fato e nem voltar ao passado. Respeitando os que estão no PSDB, a maioria, meus amigos e pessoas a quem eu respeito bastante, mas fico triste de ver a cada tempo um recuo e uma diminuição da força e da expressão e da respeitabilidade do PSDB.
Agora meio que eu vou te colocar como um juiz para essa pergunta, porque o PSDB ele está numa atividade, na verdade numa articulação para tentar se fundir ou até mesmo acabar unificando com outro partido. Nós temos PSD, nós temos Republicanos, nós temos MDB, Podemos agora. Qual é o melhor caminho para o tucanato na sua visão?
Eu prefiro não fazer esse tipo de análise, porque eu estou fora da vida partidária. E não quero ser condenatório em relação ao PSDB.
Eu tenho bons amigos lá, a começar do Marconi Perillo, que preside o partido, repito, é um homem bom, um homem com uma história dentro do PSDB bem construída. Há vários outros que lá estão. O próprio Eduardo Leite continua no PSDB, embora se anuncie que talvez saia do PSDB.
Outros bons nomes que são meus amigos são o Eduardo Riedel no Estado do Mato Grosso do Sul, que eu classifico como um dos melhores gestores públicos do país. O jovem governador do Estado do Mato Grosso do Sul perdemos. O PSDB perdeu recentemente a Raquel Lyra, uma jovem política também de Pernambuco, com enorme competência na atividade executiva, tendo sido prefeita em Caruaru, uma grande cidade do estado de Pernambuco.
E com isso essas perdas se acumulam e enfraquecem o PSDB. Eu prefiro me ausentar dessa análise e desejar que o PSDB possa ser reconstruído, ou na soma, ou na associação, ou na incorporação, mas que mantenha a sua história e preserve o seu legado.

João Doria, empresário e ex-governador de São Paulo, em entrevista à IstoÉ
Falar das eleições de 2026, porque nós temos agora uma divisão muito grande na direita. Está Tarcísio de Freitas, está Romil Zema, está Ronaldo Caiado, Ratinho Júnior entrou agora também no meio do jogo, o Helder, mas o Helder já entraria mais para o lado do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Queria saber do senhor exatamente o seguinte, sobre o governador Tarcísio de Freitas. Ele foi eleito governador aqui em São Paulo na eleição de 2022 e foi inicialmente considerado um outsider. O senhor acredita que seja o momento certo para ele deixar o governo do estado de São Paulo e possivelmente ser o substituto de Bolsonaro nas eleições de 2026 ou é precipitado, seria precipitada uma decisão como essa, visto a grande massa de apoio que ele tem no estado hoje?
Bom, também é uma decisão difícil e não me parece que é uma decisão do governador Tarcísio Gomes de Freitas. Quero ressaltar que ele vem fazendo um bom governo e eu falo uma dessa parte com autoridade. Eu fui governador do estado de São Paulo, então eu vejo o governo Tarcísio como um bom governo de São Paulo.
Ele é um homem de centro-direita, tem evidentemente essa correlação forte com o ex-presidente Bolsonaro, mas ele tecnicamente funciona como um bom governador do estado de São Paulo. Por isso ganhou prestígio, por isso ganhou popularidade, não só em São Paulo, como fora de São Paulo também. Isso é uma circunstância, não é uma decisão dele.
Se as circunstâncias colocarem o governador Tarcísio como um candidato vencedor, como um candidato com potencial real de vencer as eleições, será difícil para ele negar esta opção, como será difícil até ao ex-presidente Bolsonaro não ter Tarcísio Gomes de Freitas como o seu candidato para, ou pelo menos com o seu apoio para a presidência da República. Então eu não sinto que essa é uma decisão do governador Tarcísio, é mais uma decisão da circunstância, principalmente do eleitor, a quem cabe essa manifestação e o desejo de votar no seu candidato. Se essa manifestação em pesquisas se fortalecer e crescer, a meu ver, será difícil para o governador Tarcísio negar a sua candidatura à presidência da República.
E o mesmo valeria para o Ricardo Nunes, caso ele se lançar candidato ao governo de São Paulo, ou não, o senhor acredita?
A resposta é sim. Ele foi reeleito prefeito de São Paulo. Embora não tivesse sido eleito no primeiro mandato, mas era o vice do Bruno, v vice também é eleito junto com o candidato titular. Eu respeito muito o Ricardo Nunes. Entendo que ele fez uma boa gestão na Prefeitura e foi avaliado pela população que o reelegeu prefeito de São Paulo.
Está no seu direito, absolutamente legítimo, de pleitear ou deixar no seu horizonte a perspectiva de disputar o governo do Estado de São Paulo. Está na legitimidade da vida política e, no caso dele especificamente, eu diria com um bom lastro.
Em 2018, a gente viu uma ascensão muito grande da direita. A gente vê, por exemplo, a eleição do próprio Bolsonaro. Alguns governadores de direita cresceram muito e a gente viu no ano de 2022 um declínio, embora um fortalecimento no Congresso Nacional, mas um declínio nos executivos. Só que a gente está vendo novamente uma ascensão da direita no país.
O senhor tem essa percepção também? Como é que o senhor avalia o cenário para 2026 em relação às eleições para presidente e também para o Congresso Nacional? A gente pode ter uma virada de jogo, mais um fortalecimento da direita? Como é que fica a esquerda nesse campo? Como o senhor avalia esse jogo?
De novo, o seu enunciado não está incorreto. Há um fortalecimento, sim, muito pelo divisionismo do país e, infelizmente, pela insistência do atual governo em ficar condenando o passado.
Há dois anos que eu digo, “presidente Lula, vamos olhar para frente. Olhe para o Brasil. Unifique o país. Pacifique. Seja o presidente de todos e não o presidente apenas daqueles que o elegeram”. Obviamente, respeite o PT, que é o seu partido de origem, do qual ele é, inclusive, fundador.
Mas, quando você se elege, você tem que administrar para todos, não apenas para aqueles que o elegeram. Um governador, um prefeito, um presidente da república tem que governar para todos. Os que lhe elegeram e os que não lhe elegeram.
Essa constante na condenação do passado, na visão sempre do que passou, o olhar constante pelo retrovisor, não é construtivo. E o fato é que hoje o Brasil segue dividido como estava dois anos atrás. Não mudou.
O Brasil segue dividido, meio a meio, praticamente. Metade do país é Bolsonaro, metade do país é Lula. Metade do país é contra Lula, metade do país é contra Bolsonaro.
Isso não é bom. Embora a democracia possa permitir, logicamente, que haja divisões dessa natureza, mas isso acabou sendo estimulado por um governo que poderia ter acendido, conquistado mais o coração, a paixão e a adesão dos brasileiros e, com isso, teria fortalecido mesmo o próprio processo sucessório do atual governo do presidente Lula. Vejo com mais dificuldade hoje a sucessão dentro do PT ao governo do presidente Lula do que a hipótese da vinda, da chegada de um governo de direita.
Eu só espero que não de extrema-direita, porque os extremos são muito nocivos ao Brasil. O populismo de esquerda e de direita acabam se unindo, de alguma forma, nocivamente. Quem paga o preço disso é sempre a população mais vulnerável, a população mais pobre de um país.
Eu desejo que seja um governo democrático, de centro, que dialogue com a esquerda, que respeite o pensamento da esquerda, a visão social da esquerda, que respeite o sentimento liberal da direita, mas que governe olhando para frente e não fazendo juízo permanente do passado e nem condenando os seus antecessores. Eu nunca fiz isso como governador, nem como prefeito. Nunca fiquei condenando os meus antecessores na Prefeitura de São Paulo, nem no governo do Estado de São Paulo.
Não quero dizer que eu estava certo, mas entendo que se você quer governar, governe olhando para frente e não passando o tempo todo julgando o passado e os seus antecessores. Eu espero e estimo que uma candidatura se consolide e que possa ser equilibrada, sensata, que saiba ouvir os interesses da população, da sociedade civil e da própria política, do mundo da política, sem condenações, sem radicalismos, para que o país construa um futuro melhor, mais sensato e, sobretudo, com mais união.
Para a gente encerrar, ainda na seara política, o senhor falou muito bem em relação ao governo, a dificuldade que o governo tem. A gente passa hoje para uma reforma ministerial dentro do governo e a gente está vendo uma reforma, hoje, muito mais à esquerda do que ao centro. Isso enfraquece o presidente Lula para 2026, na sua opinião? Como é que fica o posicionamento político do presidente pensando para 2026 e o reposicionamento do centro, nesse caso, para a eleição presidencial?
Gera dúvidas. Poderia não gerar, se houvesse uma indicação mais clara do Palácio do Planalto e do atual presidente em relação a essa reforma ministerial que, de fato, não começou.
Apenas teve, eu diria, um primeiro movimento, que foi o movimento que indicou e fez de Gleisi Hoffmann ministra do presidente Lula. Mas, de fato, esse foi o único movimento, não houve nenhum outro que pudesse ser classificado como uma reforma ministerial. Resta saber o que vem pela frente nesse governo.
Se houver uma tendência fortalecendo essa visão mais à esquerda, a meu ver, isso vai fortalecer o centro-direita e a direita e, ao mesmo tempo, a extrema-direita. O que é um risco, repito. Qualquer situação mais extremada à direita, ela não levará o país a uma posição de equilíbrio, de bom senso e de recuperação.
E, sim, a manutenção do país dividido. Espero que possa haver bom senso e equilíbrio por parte do presidente Lula para entender que, ainda nesses dois anos incompletos de governo, há tempo de recuperar a economia brasileira. Há tempo de que ele possa ser um agente pacificador do país e não um agente divisionista do país.
Que possa ter, talvez, uma outra leitura, uma outra palavra, um outro sentimento em relação ao Brasil. Pode parecer excesso de otimismo, mas eu prefiro acreditar que as coisas boas virão ao invés de ficar confiando que as coisas ruins estarão pela frente.