“Penso que o artista é hoje o histérico por excelência”, diz Dora Longo Bahia. Explicando melhor, a ideia de histeria, comenta a artista, estaria relacionada ao desconforto vivido pelos criadores na atualidade – afinal, eles estariam divididos entre torres de marfim, festas, as ruas ou a periferia para realizar seus trabalhos, como ela enumera. Mais ainda, as obras desses criadores estariam apenas confinadas ao destino de se tornar mercadorias ou seriam muito mais que isso? No longa-metragem O Caso Dora (70 min), que estreia nesta sexta-feira, 8, às 20 horas, em sessão que também marca a inauguração da sala de cinema na Galeria Vermelho, Dora Longo Bahia coloca indagações, relacionando arte, filosofia e psicanálise.

O filme é uma peça de ficção e já no seu início, a personagem Rosa, interpretada pela atriz Camila Mota, aparece em um frio consultório psicanalítico. A mulher está em pleno processo de questionamento e seu monólogo é baseado em suas “dúvidas” e “inseguranças” sobre ser artista. Mas há também um outro lado importante em O Caso Dora, a reflexão sobre a história e o impacto da criação artística em cada tempo da história. “A intenção era comparar os eventos de maio de 68 com os de junho de 2013; pensar na relação entre a arte revolucionária e um ato revolucionário”, conta Dora Longo Bahia.

“O (filósofo) Rancière fala que o cinema é a arte da contemporaneidade”, afirma a artista sobre sua motivação em se lançar à criação cinematográfica. Dora Longo Bahia já realizou outros filmes e sua produção artística, falando como um todo, não pode ser aprisionada no território da pintura, pois suas atividades englobam a fotografia, o vídeo, a música e o ensino da arte. Nesse sentido, é como se O Caso Dora condensasse agora e pontualmente as múltiplas experiências, referências e reflexões da criadora paulistana, nascida em 1961.

Prêmio

Dora Longo Bahia conta que começou a escrever o roteiro de seu longa-metragem em 2014. O trabalho, que teve orientação do professor Vladimir Safatle, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, foi realizado com recursos do Prêmio Capes de Teses recebido pela artista como bolsa de pós-doutorado. “Quando ganhei o prêmio, tinha vontade de fazer um filme e pensar um personagem feminino”, define. Sendo assim, ela toma a questão da histeria como mote de sua obra não apenas como reflexão sobre a arte, mas também sobre a questão de gênero.

Já no título o filme explicita uma de suas principais referências, O Caso Dora, nome do primeiro trabalho publicado por Freud em 1905. Nesse estudo do “pai da psicanálise”, Dora é um pseudônimo usado para tratar de um problema relacionado às mulheres que “não estavam confortáveis em seu papel simbólico”, diz Dora Longo Bahia – e que, sendo assim, eram consideradas histéricas. Anos mais tarde do século 20, outro psicanalista, Jacques Lacan, retomou o tema da histeria e a criadora cita outra fonte para a costura de sua obra, o olhar do filósofo Slavoj Žižek para a neurose histérica. “Para ilustrar Lacan, Žižek usa como exemplo o Ricardo III, de Shakespeare, o rei que não está confortável na posição simbólica”, explica a artista.

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Sob esse prisma, a personagem Rosa é construída como uma “paciente histérica” na complexa rede do enredo de O Caso Dora, filmado e editado em 2015. No consultório de psicanálise, que tem um retrato de Freud pendurado na parede, enquanto a mulher questiona sobre a relação do artista com seu tempo, ela também dedica belas e contundentes passagens a falar sobre o impacto de certas obras para ela e a história da arte – “O vermelho invadiu a sala e os sons se tornaram graves, distorcidos”, diz sobre a pintura Who’s Afraid of Red, Yellow and Blue III (1967), de Barnett Newman.

As referências, assim, acabam por se tornar intensas no desenrolar do trabalho cinematográfico escrito e dirigido por Dora Longo Bahia. Além de Newman, são também homenageados no filme, estruturado em dois tempos espelhados (do passado, 68, para o presente), por exemplo, Manet, Duchamp, Yves Klein, Warhol, Robert Smithson, Gordon Matta-Clark, Jeff Koons, os grupos K Foundation e Chelpa Ferro, Cildo Meireles e Carmela Gross. “São artistas que criaram novos paradigmas para a arte”, comenta Dora. Mas as citações, é claro, também estão relacionadas ao cinema e Jean-Luc Godard recebe a grande homenagem, afinal. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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