Quando amanheceu a sexta-feira 13 de janeiro de 2017,
a capa da Folha de S. Paulo estampou:
DONA LOURDES, DO CAFÉ, É A NOVA PRESIDENTE
DO BRASIL.
Se um extraterrestre aterrizasse em Brasília naquele dia a notícia pareceria absurda.
Mas para os brasileiros que vinham acompanhando a queda de Temer em câmera lenta, nada surpreendia.
Desde o ano passado os jornais polemizavam sobre quem poderia assumir o Planalto, caso Temer caísse.
A verdade é que constitucionalmente não havia sucessor.
A crise já estava estabelecida há muito tempo e deveriam ter pensado nisso antes.
Não pensaram.
Esperavam que Temer se sustentasse até maio, pelo menos.
Só que quando a alcunha “Vampiro” apareceu numa das listas de uma empreiteira, ninguém mais teve dúvidas.
E o homem caiu.
Assim, o problema da sucessão surgiu muito antes do que se esperava.
O recém-eleito presidente da Câmara, deputado Jair Bolsonaro, não poderia assumir, pois virou réu num processo de incitação à violência quando foi flagrado travestido, na parada gay, disparando spray de pimenta nos que estavam a sua volta.
O recém-reeleito presidente do Senado Renan Calheiros também não poderia assumir, todos já sabiam desde o ano passado.
E assim, um por um, os potenciais candidatos à sucessão foram sendo descartados.
Até que chegaram à d. Lourdes do café.
Ficha limpa, impecável.
D. Lurdinha, como era mais conhecida, trabalhava no Senado desde quando ainda era no Rio de Janeiro.
Conhecia como ninguém cada um dos parlamentares.
Sabia de cor quem tomava café com açúcar, adoçante ou sem nada mesmo.
A vida toda preferiu se manter apartidária, para não dizerem que dava mais biscoitos para esse ou aquele senador.
Com o repentino assédio, Lurdinha colocou de lado o romance western que estava lendo e, surpresa, se viu posando para selfies com os mais poderosos políticos do País.
Todos queriam parabenizá-la pelo novo cargo.
Finalmente teríamos alguém digno no comando.
D. Lurdinha prometeu que seu primeiro ato seria a Reforma Política.
– Sei exatamente quais são os meninos que vou botar para correr!
Ninguém duvidava que soubesse mesmo, depois de trinta anos escutando invisível todo tipo de negociata.
Ergueram a velhinha aos gritos de “Viva a Democracia!” e a conduziram ao Palácio do Planalto num carro de bombeiros, em meio à multidão radiante de alegria.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, num quarto de hotel com cortinas fechadas, duas silhuetas checavam uma planilha num notebook.

– Tem certeza que é ela? Hein? Temos que ter certeza!
O outro, ajoelhado ao pé da cama, conferia no Excel:
– Tô falando, rapaz! É ela! Taqui, ó: “Lourdes, apelido, Espressinha”

Numa coluna, nomes. Na outra, apelidos.
Um sujeito gorducho andava de um lado para outro, ansioso.
– Tem certeza que é ela? Hein? Temos que ter certeza!
O outro, ajoelhado ao pé da cama, conferia no Excel:
– Tô falando, rapaz! É ela! Taqui, ó: “Lourdes, apelido, Espressinha”.
– E quanto já repassamos para ela?
O ajoelhado apontou a quantia.
– Vixi! Sério?
– Sério.
Sorriram um para o outro e deram um abraço aliviado.
Fecharam o notebook.
O gorducho suspirou profundamente.
Partiram para a cerimônia de posse em paz. Certos de estarem salvos por mais quatro anos.