“É uma caricatura da dominação masculina”, disse, nesta terça-feira (19), o procurador Étienne Manteaux ao chileno Nicolás Zepeda, julgado na França pelo homicídio, em 2016, de sua ex-namorada japonesa Narumi Kurosaki, cujo corpo nunca foi encontrado.

“Minhas relações amorosas são relações normais”, disse o réu, mais cedo, no início do intenso interrogatório de Manteaux, em uma sala lotada no Palácio da Justiça de Vesoul (leste de França).

Vestindo uma túnica preta, o representante do Ministério Público bombardeou Zepeda com perguntas durante duas horas.

Dos alegados “ciúmes”, quando vivia com Narumi no Japão, onde ele a conheceu em 2014, às mensagens pedindo-lhe para bloquear amigos do sexo masculino nas redes sociais quando ela já vivia na França, o procurador denunciou “uma caricatura da dominação masculina”.

A acusação destacou, em particular, uma mensagem em que Zepeda parece estabelecer cinco condições para salvar o relacionamento: “Você nunca criará problemas, nunca vai se irritar, nunca será má, nunca dirá palavrão, nunca negociará nada”.

“Essa conversa surge de uma discussão, quando falamos sobre (…) como consertar algo [o relacionamento] que não está funcionando”, havia explicado horas antes a Sylvie Galley, advogada da família de Kurosaki.

“A única coisa que vejo é a honra do macho ferido, a quem foi dito claramente que a relação havia acabado, o que ele não suporta”, declarou o procurador, perante uma defesa que pediu ordem em diversas ocasiões.

Os comentários contundentes do representante do Ministério Público provocaram por vezes risos do público presente, aos quais reagiu com irritação: “Por favor, não estamos em um teatro”, advertiu.

– “Eu não a matei” –

Nicolás Zepeda, de 33 anos, pode ser condenado à prisão perpétua neste julgamento de recurso. Em primeira instância, a sentença, da qual recorreu, impôs 28 anos de prisão pelo assassinato premeditado de Kurosaki, o que ele nega.

Segundo a acusação, o chileno atravessou o Atlântico para ver a jovem dois meses após o rompimento. Ele a teria matado na madrugada de 5 de dezembro de 2016, asfixiando-a, ou estrangulando-a, antes de se livrar do corpo.

No interrogatório, os advogados dos demandantes também tentaram demonstrar uma relação de dominação que teria levado a um homicídio, especialmente quando, na véspera, o réu evocava uma relação baseada no “respeito”.

Sua versão é “disneylandizada”, disse à imprensa Randall Schwerdorffer, advogado de Arthur del Picollo, namorado de Kurosaki na época de seu desaparecimento.

“Ele se atreve a tudo, não tem limites”, porque “tenta salvar sua pele”.

Sylvie Galley relatou, ainda, que, em uma mensagem, a jovem repreende Zepeda por tê-la engravidado sem assumir.

“Você fez mal ao meu corpo, tirou muito dinheiro de mim, tirou meu futuro filho de mim”, leu a advogada.

“Ela nunca esteve grávida”, disse o acusado, para quem Kurosaki, a quem teria acompanhado ao médico no Japão porque ela estaria preocupada com o atraso da menstruação, enviou-lhe aquela mensagem em um contexto de forte discussão.

Sobre sua relação, o acusado defendeu que ambos tinham “ciúmes”, “como todo mundo”, mas que ele a “apoiou” quando ela decidiu ir para França estudar por um ano e que chorou de alegria ao vê-lo aparecer em Besançon.

“Eu não a matei, eu não a matei!”, reiterou Zepeda entre lágrimas durante o interrogatório da defesa, expressando sua “indignação” pelo fato de a investigação ter-se concentrado apenas nele e não ter explorado outras pistas.

O veredicto é esperado para quinta-feira (21).

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