Em um evento privado para empresários no Rio de Janeiro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que na época do dólar a R$ 1,80 “todo mundo ia para a Disneylândia, empregada doméstica ia para a Disneylândia, uma farra danada”. A boutade preconceituosa, apesar do evidente mau gosto, traduz algo concreto, uma mudança que afeta vários brasileiros. A atual política econômica, que privilegia a alta na cotação da moeda americana, não pune apenas diaristas, se é que esse público na base da pirâmide realizava viagens internacionais à época. Atualmente, toda a classe média brasileira pode dizer bye bye às compras em Miami, nos EUA. No planejamento dos brasileiros que pretendem ou precisam viajar ao exterior, principalmente no período de férias, aumentou a preocupação com o preço do dólar. Gastar no cartão de crédito virou um pesadelo.

“O governo Bolsonaro não tem planejamento econômico para 20 ou 30 anos. Trata-se de uma gestão econômica de curto prazo” Jackson Bittencourt, coordenador do curso de Ciências Econômicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná

A alta do dólar veio para ficar, já advertiu o ministro da Economia. Em um evento em Washington, Guedes disse que todos devem se acostumar “com o câmbio mais alto e o juro mais baixo por um bom tempo”. A moeda americana aumentou mais de 50% nos últimos cinco anos. Desde 2019, a alta se acelerou. O dólar comercial, na quarta-feira, 19, renovou o recorde nominal, fechando a R$ 4,36. O dólar turismo está se aproximando da barreira de R$ 5 — chegou a atingir R$ 4,73 em novembro. A verborragia político-ideológica das autoridades contribui para a desvalorização do real, mas as causas de fundo são estruturais. Internamente, pesa a queda histórica na taxa básica de juros, a Selic. A taxa estava em 14,25% em julho de 2015. Atualmente, está em 4,25%. Isso afugenta o dinheiro especulativo vindo do exterior, que era atraído pela remuneração generosa. Em 2019, R$ 44,5 bilhões foram retirados do Brasil. Apenas neste ano, até o início de fevereiro, a fuga foi de R$ 23 bilhões.

Os fatores externos também são complicadores. Por exemplo, a disputa comercial entre Estados Unidos e China, que durou quase um ano. Também pesou recentemente o assassinato pelos americanos do general iraniano Qasem Soleimani, cuja repercussão internacional vai perdurar. Mais recentemente, a disseminação global do novo coronavírus também passou a pressionar o mercado de câmbio. O COV 19, originado na China, compromete toda a cadeia de fornecimento de eletrônicos no mundo. Tudo que vem do gigante asiático passa por um momento de escassez. É o caso da gigante Apple. Num sinal do que pode acontecer em larga escala, ela anunciou, na segunda-feira, 17, que não vai cumprir suas metas no primeiro trimestre. A companhia teve uma queda de 1,83% em suas ações, o que resultou numa perda de US$ 26 bilhões. Todos esses fatores intimidam os investidores, que acabam recorrendo a mercados mais seguros, mesmo que remunerem menos — atingindo moedas emergentes, como o real.

Efeitos na economia

A alta do dólar afeta a economia brasileira de diversas formas. Atrapalha o funcionamento das grandes empresas, que tomam empréstimos no exterior ou importam equipamentos e matérias-primas. Porém, pode beneficiar os exportadores de commodities. “O agronegócio aproveita esse momento para ganhar mais sem esforços. Os exportadores ganham com a taxa de câmbio alta”, diz Jackson Bittencourt, coordenador do curso de Ciências Econômicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, especialista em câmbio. Para ele, apesar de uma gestão correta no sentido geral, o governo Bolsonaro não tem planejamento econômico para 20 ou 30 anos. “Trata-se de uma gestão econômica de curto prazo”, afirma. Isso também contribui para a instabilidade cambial. As projeções para o final de 2020, segundo o boletim Focus, compilado pelo Banco Central, são de que o dólar permaneça no patamar de R$ 4,10, e a taxa Selic, a 4,25%. A previsão para o IPCA é de 3,22% — um valor baixo, levando-se em conta que a inflação é pressionada pela alta do dólar. O conjunto de dados é positivo, segundo Bittencourt. “A estabilidade econômica é essencial”, resume. Porém, para quem é afetado diretamente, resta se preparar para essa nova realidade — que não vai mudar tão cedo.