Apesar do tropeço da Bolsa doméstica, o dólar à vista emendou nesta sexta-feira, 28, o segundo pregão seguido de queda firme, fechando abaixo do patamar da linha de R$ 5,40 pela primeira vez desde 1º de outubro do ano passado. Afora uma pequena alta na abertura dos negócios, a moeda trabalhou em baixa durante todo o dia, com relatos de entrada de fluxo de estrangeiros e de desmonte de posições cambiais defensivas no mercado futuro.

A avaliação predominante para o avanço do real nos últimos dias é a de que os ativos domésticos – que estariam muito depreciados – ganharam espaço no portfólio dos estrangeiros, em meio à alta das commodities e a um movimento de rotação de carteiras induzido pelo início do processo de normalização da política monetária americana. Nesta sexta, o minério de ferro negociado em Qingdao, na China, fechou em alta de 5,59%, atingindo o maior nível desde 31 de agosto de 2021.

Operadores também relatam que a perspectiva de que a taxa Selic atinja 12% no fim do atual ciclo de aperto monetário, reforçada nesta semana com a divulgação do IPCA-15 de janeiro, contribui para o desempenho do real ao aumentar a atratividade do “carry trade” (operação que busca explorar o diferencial de juros entre países).

O embate travado nesta sexta entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre do Moraes, em torno da necessidade de o presidente depor à Polícia Federal, citado como um dos motivos para mínimas do Ibovespa à tarde, não abalou o fôlego do real. Bastidores das negociações em torno da PEC dos combustíveis e a divulgação do resultado das contas públicas em 2021 também não tiveram peso relevante na formação da taxa de câmbio, dizem operadores.

Com máxima a R$ 5,4329 e mínima a R$ 5,3769, o dólar à vista encerrou o pregão em queda de 0,62%, a R$ 5,3900 – menor valor de fechamento desde 1º de outubro. Com isso, a moeda termina a semana com perdas de 1,20% e já acumula recuo de 3,33% em janeiro.

Uma vez mais, o real se destacou no cenário externo, figurando ao lado da lira turca e do rublo (que experimentam recuperações técnicas), na lista das principais divisas emergentes a se fortalecerem contra o dólar. Pares tradicionais da moeda brasileira, como o peso mexicano, o peso chileno e o rand sul-africano apanharam.

O índice DXI – que mede a variação do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – esboçou uma alta pela manhã, com dados fracos na Europa, mas perdeu fôlego assim que foi divulgado índice de preços de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês) nos EUA e trabalhou o restante do dia praticamente no zero a zero, embora ainda acima dos 97,000 pontos.

Índice de inflação mais observado pelo Federal Reserve, o PCE subiu 0,4% em dezembro, enquanto o núcleo (que exclui itens voláteis como alimentos e energia) avançou 0,5% no período – ambos em linha com as expectativas. Já os gastos com consumo recuaram 0,6% em dezembro, ante previsão de -0,7%. As apostas para um aumento de 50 pontos-base da taxa básica de juros pelo Fed em março caíram de 16,3% para a casa de 8%, segundo levantamento do CME Group. Mesmo assim, ainda se espera uma sequência de pelo menos quatro elevações da taxa ao longo deste ano.

O economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima, observa que, com a mudança nas expectativas para a política monetária nos EUA, investidores passaram a garimpar oportunidades em mercados que estavam muito descontados, caso do Brasil. Esse movimento veio em paralelo a uma alta das commodities, em meio a cortes de juros na China, e ao aumento das operações de ‘carry trade’.

“O real estava muito depreciado. Era difícil de entender aquela piora do começo de janeiro, com o dólar a R$ 5,60, R$ 5,70. Estamos vendo uma correção agora com fluxo”, diz Lima, ressaltando que o fato de a moeda brasileira ter apanhando anteriormente mais que outras divisas emergentes ajuda a explicar o desempenho superior do real agora. “Pelos nossos modelos, o câmbio está mais ajustado agora. O real pode até se apreciar ainda, mas não muito mais”, diz

Entre os indicadores domésticos divulgados nesta sexta, destaque para o resultado do Governo Central, que, graças à forte arrecadação de tributos, apresentou no ano passado o menor déficit primário desde 2014. Em 2021, o rombo ficou em R$ 35,073 bilhões, abaixo da mediana de projeções Broadcast (-R$ 40,20 bilhões). Isso equivale a 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB), após um déficit de 10% do PIB em 2020.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, aproveitou para bater o bumbo. Ele classificou o resultado como “extraordinário” e disse que as críticas e acusações de que o governo praticava uma política fiscal populista estavam todas equivocadas. “Tivemos coragem de controlar o Orçamento, sem reajustes de salários”, afirmou.

O economista da Western Asset alerta que, a despeito do fluxo estrangeiro positivo, os fundamentos locais ainda inspiram cuidados. O quadro fiscal ainda é fonte de preocupação, apesar dos números de curto prazo das contas públicas “serem bons”. É preciso também atenção ao momento em que as eleições presidenciais vão ter mais peso na formação dos preços dos ativos domésticos. “O problema do fluxo é que tem hora que ele desaparece”, afirma Lima.