Conceito um:

Li em algum lugar, não sei onde, que existe uma doença de visão que atinge quem fica preso por muitos anos.

Não é bem uma doença, está mais para uma condição, ou uma atrofia.

Como o sujeito não enxerga longe, não vê o horizonte, seus olhos se acostumam a enxergar distâncias médias.

O pátio até o muro, ou mesmo sua cela.

O sujeito não percebe esta condição.

Mas se o infeliz fica preso vinte ou trinta anos e um dia é solto, aí sim nota que algo está errado.

Apesar de enxergar bem o suficiente para ler ou para enxergar a sua volta, quando tem a oportunidade de olhar longe, a visão não responde.

Essa condição se chama miopia proximal ou near work myopia.

Mas vou inventar outro nome agora, de bate pronto.

Presidiopia.

Pronto. A miopia dos presídios.

Me desculpem essa explicação.

Imagino que os oftalmologistas devam estar rindo da minha cara.

Mas você pegou meu ponto.

Segue o enterro.

Conceito dois:

Em Filosofia existe um termo para definir conceitos que não podem ser explicados, ou que dependem da percepção de cada indivíduo.

Qualia, é o termo.

Por exemplo, um cego pode compreender o que é o vermelho.

Você pode dar exemplos, criar analogias e o escambau.

Mas vermelho é um qualia.

Ninguém consegue explicar com precisão o que é o vermelho, porque cada um é cego para o vermelho do outro, percebe?

Exemplos de qualia são o sabor do vinho, as cores, as dores.

O seu vermelho é o mesmo que eu vejo?

A dor de uma fratura é igual em todos nós?

A gente nunca vai saber.

Há como intuir, mas não há como descrever com absoluta precisão.

Agora vamos combinar a presidiopia com o qualia para o gran finale.

A gente está há tanto tempo discutindo esse país, a corrupção, o PT, o Lula, a Dilma, que desconfio que estamos sofrendo de presidiopia.

Todos nós.

Perdemos a capacidade de enxergar o horizonte do país.

Aprisionados na sobrevivência diária, queremos apenas ganhar nossas batalhas prosaicas do cotidiano.

Arrumar um emprego, não ser demitido, um aumentinho, um descontinho e por aí vai.

Passar os dias no pátio tomando sol metafórico para depois voltar para as celas também metafóricas de nossa triste realidade como Nação.

O Brasil, para grande parte dos brasileiros, deixou de ser sonho, futuro, possibilidade.

Mais viável sonhar com a alforria de estudar ou morar fora, para os que podem.

Mais provável esquecer o futuro, para os que não podem.

Presidiopatas que somos, não enxergamos além de nosso presente.

Nos roubaram os horizontes.

E assim, nosso país ideal se transformou num qualia.

Cada brasileiro desenvolveu através da mídia, das mentiras e verdades que escolheu acreditar, sua própria percepção de nossa identidade e ideal.

Os petistas, os intervencionistas, os golpistas, os militaristas, os liberais, os esquerdistas cada um com suas certezas inexplicáveis.

Uns não convencem os outros.

Você não consegue entender se o sujeito ao seu lado quer o mesmo que você para nosso futuro, do mesmo jeito que você não entende se o gosto amargo que ele sente é o mesmo que o seu.

O problema é que para presidiopatia, uns óculos resolvem.

Quem sabe se com o tempo e algumas mudanças a gente comece a enxergar mais longe.

Mas qualia, amigo, não tem jeito.

Enquanto Moro, STF, Congresso e Executivo mostrarem cores tão diferentes e chamarem de verde e amarelo, seremos todos cegos para nosso futuro