02/08/2016 - 16:35
Conceito um:
Li em algum lugar, não sei onde, que existe uma doença de visão que atinge quem fica preso por muitos anos.
Não é bem uma doença, está mais para uma condição, ou uma atrofia.
Como o sujeito não enxerga longe, não vê o horizonte, seus olhos se acostumam a enxergar distâncias médias.
O pátio até o muro, ou mesmo sua cela.
O sujeito não percebe esta condição.
Mas se o infeliz fica preso vinte ou trinta anos e um dia é solto, aí sim nota que algo está errado.
Apesar de enxergar bem o suficiente para ler ou para enxergar a sua volta, quando tem a oportunidade de olhar longe, a visão não responde.
Essa condição se chama miopia proximal ou near work myopia.
Mas vou inventar outro nome agora, de bate pronto.
Presidiopia.
Pronto. A miopia dos presídios.
Me desculpem essa explicação.
Imagino que os oftalmologistas devam estar rindo da minha cara.
Mas você pegou meu ponto.
Segue o enterro.
Conceito dois:
Em Filosofia existe um termo para definir conceitos que não podem ser explicados, ou que dependem da percepção de cada indivíduo.
Qualia, é o termo.
Por exemplo, um cego pode compreender o que é o vermelho.
Você pode dar exemplos, criar analogias e o escambau.
Mas vermelho é um qualia.
Ninguém consegue explicar com precisão o que é o vermelho, porque cada um é cego para o vermelho do outro, percebe?
Exemplos de qualia são o sabor do vinho, as cores, as dores.
O seu vermelho é o mesmo que eu vejo?
A dor de uma fratura é igual em todos nós?
A gente nunca vai saber.
Há como intuir, mas não há como descrever com absoluta precisão.
Agora vamos combinar a presidiopia com o qualia para o gran finale.
A gente está há tanto tempo discutindo esse país, a corrupção, o PT, o Lula, a Dilma, que desconfio que estamos sofrendo de presidiopia.
Todos nós.
Perdemos a capacidade de enxergar o horizonte do país.
Aprisionados na sobrevivência diária, queremos apenas ganhar nossas batalhas prosaicas do cotidiano.
Arrumar um emprego, não ser demitido, um aumentinho, um descontinho e por aí vai.
Passar os dias no pátio tomando sol metafórico para depois voltar para as celas também metafóricas de nossa triste realidade como Nação.
O Brasil, para grande parte dos brasileiros, deixou de ser sonho, futuro, possibilidade.
Mais viável sonhar com a alforria de estudar ou morar fora, para os que podem.
Mais provável esquecer o futuro, para os que não podem.
Presidiopatas que somos, não enxergamos além de nosso presente.
Nos roubaram os horizontes.
E assim, nosso país ideal se transformou num qualia.
Cada brasileiro desenvolveu através da mídia, das mentiras e verdades que escolheu acreditar, sua própria percepção de nossa identidade e ideal.
Os petistas, os intervencionistas, os golpistas, os militaristas, os liberais, os esquerdistas cada um com suas certezas inexplicáveis.
Uns não convencem os outros.
Você não consegue entender se o sujeito ao seu lado quer o mesmo que você para nosso futuro, do mesmo jeito que você não entende se o gosto amargo que ele sente é o mesmo que o seu.
O problema é que para presidiopatia, uns óculos resolvem.
Quem sabe se com o tempo e algumas mudanças a gente comece a enxergar mais longe.
Mas qualia, amigo, não tem jeito.
Enquanto Moro, STF, Congresso e Executivo mostrarem cores tão diferentes e chamarem de verde e amarelo, seremos todos cegos para nosso futuro