Quem continua enxergando em Jair Bolsonaro um paladino da luta contra a corrupção fecha os olhos a muitas evidências em contrário.

Precisa acreditar que não havia um esquema de rachadinhas no gabinete de deputado estadual de Flávio Bolsonaro – e que o filho 01 não herdou do pai a tecnologia para esse tipo de desvio.

Preciso ignorar que as medidas anti-corrupção que faziam parte da sua plataforma eleitoral e eram defendidas pelo então aliado Sérgio Moro não foram deixadas de lado.

Precisa fazer de conta que uma flexibilização das leis da Ficha Limpa e da Improbidade Administrativa não está em curso no Congresso, em meio ao silêncio cúmplice de Bolsonaro.

Convenhamos, não é pouca coisa. Mas o fenômeno já foi bastante estudado pela psicologia. Para proteger nossos sistemas de crenças e nos poupar de aflições o cérebro é capaz de virar de ponta cabeça as nossas percepções. O azul vira vermelho. Bolsonaro vira honesto.

Mas chega um momento em que esse mecanismo falha. Muitos eleitores de Bolsonaro podem estar à beira dessa situação.

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Ricardo Salles, agora ex-antiministro do Meio Ambiente, deixou o governo repentinamente, com dois inquéritos a lhe pesar nas costas.

Ele deve ter avaliado que a transferência do caso do STF para a Justiça de primeira instância, acarretada pela saída do cargo, favorece sua defesa. Deve ter sido também uma medida para tentar preservar o presidente.

Se ficar provado, no entanto, que Salles agiu no ministério para beneficiar extratores de madeira ilegal, e ainda embolsou dinheiro no processo, cairá por terra o discurso de que esse é um governo sem casos de corrupção. Mesmo com o afastamento de Salles, será lembrado o fato de que Bolsonaro o elogiou até o último instante. Qual será o efeito sobre os bolsonaristas?

De forma mais imediata, há o caso da vacina indiana. Nesta sexta-feira estará na CPI da Pandemia o deputado Luis Miranda, que afirma que avisou o presidente de haver indícios de coisa muito errada acontecendo na compra da Covaxin.

Se ficar demonstrado que Bolsonaro nada fez, uma vez de posse dessa informação, surge a hipótese de que ele, no mínimo, prevaricou. Repetindo: qual será o efeito sobre os bolsonaristas? Algum deles vai chegar ao ponto de imaginar que o presidente, na verdade, queria que o negócio obscuro acontecesse?

Até agora a armadura de Bolsonaro ficou intacta. Nenhum indício de que ele não é assim tão fanático da legalidade conseguiu trincá-la. Esses dois casos, no entanto, são muito parecidos com todos aqueles que, em outros governos, deixavam os bolsonaristas indignados.

Parecem ser clássicos da maracutaia, e podem pôr fim a um mito.


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