Novo Departamento de Eficiência Governamental desidrata aparato estatal americano. Apesar de popular, estratégia tem seus riscos. Cortes e demissões são só o começo, alertam especialistas.Antes de tudo, um esclarecimento: o Departamento de Eficiência Governamental (Doge), encabeçado por Elon Musk, não é uma secretaria dos Estados Unidos, mas sim um cruzamento entre autoridades consultivas e um projeto de prestígio de Musk e de Donald Trump.
Portanto, embora não faça parte do governo e seja liderado por alguém não eleito democraticamente para o cargo, desde o começo do segundo mandato de Trump o Doge tem causado rebuliço em Washington.
A meta seria eliminar a burocracia supérflua e restringir o desperdício de verbas públicas pelas repartições. Até o momento, o presidente se mostra bem satisfeito com o trabalho do amigo e apoiador de campanha: "Elon faz um trabalho excelente, ele está descobrindo tremendas fraudes, corrupções e desperdícios", declarou à imprensa em 7 de fevereiro.
O que fazem mesmo os funcionários americanos a semana inteira?
Nem todos concordam: "É uma palhaçada só", sentencia Patrick Malone, professor de Administração Pública e Política da American University de Washington. Na opinião dele, Trump criou o Doge principalmente como projeto chamativo, para mostrar que está movimentando algo.
Um e-mail enviado no último fim de semana de fevereiro a 2 milhões de funcionários governamentais provocou agitação: todos tinham até a segunda-feira para descrever, em cinco pontos-chaves, o que haviam realizado no trabalho na semana anterior. A ordem partiu do Office of Personnel Management (OPM), uma espécie de departamento de pessoal do governo, porém foi Musk quem enfatizou que não responder ao e-mail seria interpretado como um pedido de demissão.
Na segunda-feira, as lideranças de diversas repartições, como a Secretaria da Defesa e o FBI, informaram seus funcionários que não precisavam responder. À tarde, contudo, Trump declarou à imprensa que quem não respondesse era possivelmente um funcionário-fantasma: "Quando alguém não responde, pode ser que essa pessoa não exista, ou não trabalhe. E quem não responde, ou está semi-despedido ou despedido."
Qual versão vale, até agora, não está claro. "É uma bagunça", comenta Malone. "Nunca vi algo assim."
Legalidade questionável
Milhares de funcionários públicos já foram demitidos, assim como quase todos que ainda cumpriam o estágio probatório. Algumas agências foram atingidas com especial dureza, como no caso da Usaid, responsável pela ajuda ao desenvolvimento: seu orçamento foi cortado radicalmente, todos os funcionários estão temporariamente suspensos.
Malone comenta: "Sim, o governo deve sempre ser mais eficiente. Mas não se chega lá reduzindo, queimando, cortando." E, de fato, cresce a resistência contra as medidas do Doge: cada vez mais se questiona o que a repartição de Musk pode realmente impor.
"A permissibilidade de um número de medidas que o Doge está tomando, ou que inspirou, está sendo examinada", confirma Craig Saperstein, especialista em direito governamental do consultório de advocacia internacional Pillsbury. "Cabe ainda ver se todas essas medidas são legais."
Primeiro criminoso condenado a ocupar a Casa Branca, o magnata nova-iorquino impôs uma série de medidas controversas ainda durante seu primeiro mandato presidencial . "Na minha casa a gente já parou de dizer: 'Mas ele não pode fazer isso!'", conta Malone. "Ao que tudo indica, ele pode sim."
A maioria da população americana aprova a ideia geral por trás do Doge. Em 19 e 20 de fevereiro, a Universidade de Harvard consultou quase 2,5 mil eleitores registrados: 70% tacharam os gastos governamentais como "cheios de desperdício, fraude e ineficiência".
Consequências para a população
O próprio Doge alega que até 24 de fevereiro de 2025 já havia poupado 65 bilhões de dólares, sem contudo especificar como chegou exatamente a essa soma. Em alguns parques nacionais, o aperto de cintos já se faz sentir: longas filas se formam nos portões de ingressos, e reservas são canceladas, já que em certas seções da administração grande parte dos funcionários foi despedida.
O politólogo Malone antecipa que a coisa não vai parar por aí: os cortes terão "consequências reais" para a população. "São impactos inevitáveis, é só uma questão de quando vão se manifestar."
Ele diz temer que os cortes orçamentários levem a um maior risco de incêndios florestais e perda de resultados potencialmente importantes de experimentos médicos, por exemplo.
Saperstein vê riscos semelhantes. "Se você se livra de inspetores de segurança alimentar, você poderá arranjar mais doenças. Se você demite funcionários de segurança da aviação, você poderá ver mais acidentes de avião. E se você faz cortes no Serviço Interno de Arrecadação, talvez eles não vão recolher tantos impostos quanto costumavam fazer", exemplifica.
Para Malone, a democracia americana está diante de um "verdadeiro teste". "Vamos ver se as instituições erguidas há 250 anos vão resistir."