24/05/2022 - 8:00
Apesar de a doença ser cada vez mais conhecida, os acometidos por ela representam menos de 2% da população mundial. Portanto, há que se ter cautela em condenar o glúten
Por Carolina Kirchner Furquim
De característica autoimune – e não uma reação alérgica – a doença celíaca se manifesta quando o organismo produz anticorpos contra o glúten, um composto de proteínas naturalmente presente em cereais como trigo, centeio e cevada que serve, sobretudo, para dar elasticidade a receitas de massas, como a dos pães. A função do glúten é ajudar a fazer a massa crescer e ficar macia, e sua ação acontece quando a mistura é sovada. Nesse momento, o glúten origina estruturas que aprisionam o gás carbônico proveniente do fermento, fazendo a massa crescer.
Saber diferenciar a doença de uma reação (que se manifesta de forma mais branda) é essencial para buscar ajuda médica especializada e dar início ao tratamento, em busca de mais qualidade de vida. “Em celíacos os anticorpos que se formam contra o glúten levam a uma inflamação que pode se manifestar como uma alergia, mas não é. Em casos mais graves, pode até mesmo simular um ambiente infeccioso”, explica o médico gastroenterologista do Hospital Israelita Albert Einstein, Fernando Seefelder Flaquer.
É essa inflamação, segundo o médico, que produz os conhecidos e incômodos sintomas da doença, a partir da literal destruição do tecido do intestino e suas vilosidades. “Portadores são incapazes de absorver bem nutrientes, além de apresentarem diarreia e dor. A depender da intensidade da resposta, a condição representa uma perda importante da qualidade de vida”, continua ele.
O componente genético é o que justifica a predisposição ao desenvolvimento da doença que, comumente, se manifesta na infância – ainda que não seja incomum perceber os primeiros sinais na vida adulta. “Isso não significa, contudo, que pessoas com a genética favorável irão obrigatoriamente desenvolvê-la. Há outras variáveis que dão esse comando”, esclarece Flaquer.
A intensidade também varia entre os pacientes, que podem experimentar desde um incômodo intestinal mais simples, até sintomas mais severos. “Há pacientes mais tolerantes, que podem até ter algum contato com alimentos que contenham glúten, e há também os muito intolerantes, que precisam abolir o ingrediente da dieta de forma estrita”, comenta o médico.
De uns anos para cá a doença celíaca ganhou mais notoriedade, sem representar, apesar disso, um aumento em sua incidência, ou seja, um crescimento no número de novos casos. “Reconhecemos que essa condição se tornou mais conhecida do público nos últimos anos, mas os acometidos por ela representam menos de 2% da população mundial e essa taxa se mantém estável há muito tempo. Portanto, há que se ter cautela em condenar o glúten que, para a maioria absoluta das pessoas, não é um vilão da saúde”, argumenta o especialista.
Um estudo conduzido pela Monash University, na Austrália, revela que há um considerável efeito psicológico por trás da chamada “intolerância ao glúten”. Ou seja, a análise do quadro clínico e a realização de exames específicos são fundamentais para o diagnóstico.
Os verdadeiros intolerantes
Em pessoas diagnosticadas, as repercussões da condição são importantes e podem ir da falta de absorção de nutrientes a problemas de crescimento em crianças. A alergia ao ingrediente não é capaz de se refletir, no organismo, de forma tão intensa.
Para se ter uma ideia, adultos podem ter deficiências graves de vitaminas e um aumento no risco do desenvolvimento de alguns tipos de câncer. As manifestações, conforme explica Flaquer, podem ir além, não ficando restritas ao sistema gastrointestinal. “A doença celíaca se manifesta das mais variadas formas. Alguns pacientes, por exemplo, não têm a queixa comum da diarreia, mas têm enxaqueca e dermatites.”
Na suspeita, a investigação acontece em duas partes. A primeira delas é a busca por anticorpos contra o glúten. Se o resultado for positivo, parte-se para uma endoscopia com biópsias intestinais, para se analisar a inflamação e a destruição do tecido. O teste genético, também disponível, nem sempre precisa ser realizado. “Usamos mais para a exclusão do que para a confirmação do diagnóstico. Se este vier negativo, a chance de presença da doença reduz substancialmente”, coloca o médico.
Dieta restrita como forma de tratamento
Simples e complexo ao mesmo tempo. É assim que Flaquer define o tratamento. “A medida mais importante é eliminar o glúten da dieta. Parece simples, mas se pensarmos que este composto está no trigo, no centeio e na cevada, e que estes ingredientes compõem praticamente tudo, como pães e doces, vemos como é uma dieta limitante. Mesmo no chocolate, que não tem glúten na composição, pode haver contaminação suficiente para produzir os sintomas nos intolerantes”.
A mudança na vida do paciente que se descobre com a doença é, então, acentuada, e pode exigir acompanhamento nutricional para evitar desfalques de nutrientes importantes. A investida em novos hábitos alimentares é especialmente difícil para os muito intolerantes que, muitas vezes, não podem ter contato nem com uma panela ou colher pelas quais passaram alimentos com glúten. Atualmente, não há tratamento farmacológico, mas há vários estudos em andamento em busca de uma medicação eficaz.
É ou não é?
Apenas uma investigação médica pode fechar o diagnóstico de doença celíaca. Porém, não é incomum encontrar pessoas que se “autodiagnosticaram” depois de eliminarem o glúten da dieta e se sentirem melhor com isso. “Para a maioria, não passa de uma coincidência. Acontece que, ao ajustar o que se come mirando na abolição do glúten, se deixa de ingerir uma série de farinhas e grãos que podem causar problemas gastrointestinais como fermentação, gases, inchaço e dor, devolvendo o bem-estar ao indivíduo. Muitas pessoas se beneficiam da restrição de alimentos como leite, repolho e brócolis, que fermentam mais, e isso nada tem a ver com ser celíaco. A moda continua sendo não ter a doença”, finaliza Flaquer.
Boas substituições
Há uma grande variedade de alimentos livres de glúten, como a mandioca, arroz, milho, batata doce e inhame. Há também uma grande variedade de farinhas que podem substituir a farinha de trigo, centeio, cevada e malte, tais como a farinha de arroz, farinha de mandioca, polvilhos, amido de milho, fécula de batata, fubá, araruta, tapioca, trigo sarraceno, quinoa, amaranto e farinha de amêndoa. Alimentos naturais e sem glúten, como peixes, ovos, frutas, verduras e legumes são de consumo praticamente obrigatório.
Fonte: Agência Einstein
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