Depois de um trabalho minucioso de cerca de três anos, a equipe interdisciplinar responsável pela documentação do acervo de Antonio Candido (1918-2017), um dos mais importantes intelectuais brasileiros, e Gilda de Mello e Souza (1919-2005) concluiu o processo – bom, pelo menos 90% dele, já que os trabalhos foram interrompidos, e depois ajustados, no contexto da pandemia.

O processo foi coordenado pela mestre em história da Arte e pesquisadora Laura Escorel, também neta de Candido e Gilda, em parceria com a equipe do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP) – para quem Candido deixou o acervo – e com o Itaú Cultural. Em julho de 2017, foi apresentado ao instituto privado o projeto de documentação e catalogação, tema de pesquisa acadêmica de Laura – o Itaú forneceu então o necessário suporte financeiro.

Foram mais dois anos de trabalho, primeiro no próprio apartamento de Antonio Candido em São Paulo, depois já com os documentos no IEB. Uma base de dados foi criada e já pode ser consultada no site do instituto, mas, claro, o material só estará disponível para pesquisadores – com solicitação e agendamento prévio – quando a universidade retomar as atividades presenciais.

O acervo é dividido em dois “fundos”, um para cada intelectual. Foram 36 caixas com documentos, cadernos e fotos de Gilda de Mello e Souza, ensaísta e crítica de arte. Já das cerca de 225 caixas de Antonio Candido, em que constavam 126 cadernos de anotações (de um total de 45 mil itens textuais), 5 mil fotos, pelo menos 800 vinis e fitas cassetes, ainda faltam 25 – que dependem do retorno dos trabalhos presenciais.

“A pandemia pegou a gente de surpresa e atrapalhou um pouco o planejamento, mas considero que fomos bem-sucedidos na nossa missão – dentro de um universo brasileiro e das nossas condições de tratar seus arquivos, vide Cinemateca e Casa de Rui Barbosa”, explica Laura Escorel. “De qualquer forma, é um trabalho que merecerá ainda releituras e revisões.”

A equipe envolvida no projeto é interdisciplinar: pessoas com formação em letras, história, ciências sociais, filosofia, mas também em restauração de acervo e reparos de fotografias, museóloga, especialista em química, psicanálise – entre contratados, bolsistas e voluntários.

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Eles também criaram um grupo de estudos vinculado à universidade – três pesquisas de doutorado já frutificaram ali. O grupo também organizou e produziu um podcast, lançado no canal Podcast do IEB, disponível nas plataformas digitais.

No podcast, o ouvinte fica sabendo que o acervo foi organizado seguindo a orientação de Antonio Candido, intelectual metódico, conhecido pela organização. E que o material do acervo ultrapassa o período da vida dos dois professores, com documentos e registros de antepassados remontando ao século 19, servindo também como fonte de pesquisa para investigação de costumes familiares e outros aspectos da história brasileira.

Uma obra que já está disponível ao público – e que surgiu do trabalho no acervo – é o livro A Formação de Antonio Candido: Uma Biografia Ilustrada, escrito e editado por Ana Luisa Escorel. A escritora e editora mantém a Ouro Sobre Azul, selo no qual estão publicados em edições recentes o trabalho de Candido voltado ao campo literário, bem como Os Parceiros do Rio Bonito.

No novo livro ilustrado, o texto e cerca de 300 fotos percorrem os anos de formação do professor e crítico – do seu nascimento, no Rio de Janeiro acuado pela peste de 1918, até o fim dos anos 1950, quando Candido, professor universitário em Assis (SP), se consolida como um dos principais intelectuais brasileiros das humanidades.

“Meus pais aprenderam com os professores franceses que vieram para o Brasil a fazer do cotidiano matéria constante de reflexão”, explica Ana Luisa Escorel, filha de Candido e Gilda. “A história familiar sempre foi para eles um terreno de observação rico, do qual ambos tiraram muita coisa, já que ela integrava esse cotidiano, mesmo se já situada na esfera do passado. E foi esse o atalho escolhido para armar A Formação de Antonio Candido como um discurso em que palavra e imagem dialogam na tentativa de abordar certo período da vida de meu pai: não houve pesquisa, portanto. Para armar a estrutura do livro foram usados a lembrança, o conhecimento da trajetória dele e o apoio fundamental de um dos cadernos deixados.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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