FÓSSEIS A partir do DNA de ossos, pesquisadores concluíram que os humanos modernos cruzaram com os neandertais há 60 mil anos (Crédito: Divulgação) (Crédito:Divulgação)

Descobertas científicas estão, quase sempre, ancoradas em duas chaves: de um lado, a solução de problemas que vão prolongar a vida humana. Do outro, a revelação de evidências que podem nos dizer de onde viemos e o que fomos. Ao vasculhar o passado, o presente se modifica e novas narrativas são incorporadas aos estudos antropológicos. É o caso, por exemplo, da pesquisa divulgada recentemente na revista norte-americana Cell, que contesta a informação disseminada nas últimas décadas de que europeus e asiáticos são os únicos povos com resquícios do DNA neandertal.

O estudo, de autoria do Instituto Max Planck, da Alemanha, também identificou traços genéticos de ascendência neandertal em populações modernas de toda a África. Esses genes foram descobertos pela primeira vez em 2010, em um trabalho realizado com fósseis antigos. A partir do DNA recuperado nesses ossos, os pesquisadores deduziram que os humanos modernos cruzaram com os neandertais cerca de 60.000 anos atrás, depois de deixar a África.“O legado do fluxo gênico com os neandertais provavelmente existe em todos os seres humanos modernos, dentro e fora da África.”, diz o antropólogo Michael Petraglia, do Instituto Max Planck, em entrevista à revista Science.

Para analisar e compilar os resultados sobre os vestígios de DNA neandertal em genomas africanos modernos, o biólogo Joshua Akey, da Universidade de Princeton, comparou o genoma de um neandertal da região russa de Altai, na Sibéria, com outros 2504 genomas modernos, catalogados no 1000 Genomes Project, que reúne genomas de todo o mundo. Os pesquisadores calcularam, então, a probabilidade de que cada trecho de DNA fosse herdado de um ancestral neandertal.O resultado chocou os cientistas. O estudo mostrou que o DNA de africanos modernos é composto de, aproximadamente, 0,3% de material neandertal. Isso equivale a cerca de 17 milhões de pares de bases. Estudos que analisaram populações europeias e asiáticas apontam presença entre 1% e 2% de DNA neandertal. “Isso foi completamente contrário às minhas expectativas. Demorou um pouco para nos convencer de que o que estamos descobrindo com essa nova abordagem era realmente verdade”, disse o Dr. Akey.

“O legado genético dos neandertais provavelmente existe em todos os seres humanos modernos” Michael Petraglia, antropólogo do Instituto Max Planck (Crédito:Sven Doering / Agentur Focus)

Outras descobertas

Apesar da reputação de serem brutos, pesquisas recentes sobre neandertais mostraram sinais de notável sofisticação mental e capacidade de socialização. Eles possuíam crânios mais achatados, com parte do rosto saltada para frente, ossos angulares na face e um nariz protuberante. Os dentes da frente eram largos e utilizados com frequência na preparação de comida e ferramentas. Seus corpos, fortes e musculosos, eram mais baixos e atarracados que os do homo sapiens. Os adultos chegavam a ter entre 1,50 e 1,75m de altura e pesavam de 64 a 82 kg. Os hábitos alimentares eram basicamente carnívoros, com base na caça de grandes mamíferos.

Os traços neandertais encontrados em populações africanas despertaram a curiosidade dos pesquisadores europeus. A hipótese? O encontro entre neandertais e homo sapiens ter ocorrido antes do que sabemos hoje. De acordo com a nova tese, somos mais complexos do que imaginamos. Atualmente, a teoria mais difundida é que os Homo sapiens surgiram na África e migraram para fora do continente em algum momento entre 80 e 60 mil anos atrás. O novo estudo, entretanto, sugere que essa movimentação pode ter ocorrido não uma única vez, mas em fases, que datam de até 200 mil anos atrás. Esse novo estudo também pode basear outras observações sobre o deslocamento dos neandertais pela Terra. No ano passado, uma equipe de cientistas encontrou um crânio humano moderno na Grécia que remonta a mais de 210.000 anos.

Nos últimos anos, David Reich, geneticista da Universidade de Harvard, e outros exploradores, descobriram evidências de que os povos antigos do Oriente voltaram para a África nos últimos milhares de anos e espalharam seu DNA para muitas populações africanas. Segundo Joshua Akey, essa migração de fato aconteceu, embora seu estudo sugira que ela possa ter ocorrido por um período muito mais longo e tenha introduzido muito mais DNA nas populações do continente do que revelado até agora. Uma nova pesquisa, desenvolvida na Universidade da Pensilvânia, sob coordenação da geneticista Sarah Tishkoff, tem buscado novos vestígios de DNA neandertal em africanos vivos para testar as hipóteses descobertas por Akey. Andamos para frente, para desvendar o passado.

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