Do luto à angústia e ao desejo de viver, as marcas da pandemia no México

Do luto à angústia e ao desejo de viver, as marcas da pandemia no México

A dor da partida repentina, o retorno à vida quando esteve à beira da morte, a coragem de salvar os outros, a preocupação diante de um futuro incerto. A pandemia deixa marcas profundas no México.

Aqui estão quatro testemunhos da crise, quando o país – de 128,8 milhões de habitantes – ultrapassou as 50.000 mortes, tornando-o o terceiro em número de óbitos, depois dos Estados Unidos e do Brasil.

– A perda –

José Pérez, um padeiro de 40 anos, passou da descrença ao luto. “Achávamos que não existia, ou que estavam exagerando, até adoecermos, e minhas duas irmãs morrerem”, desabafou.

Ele vive em Iztapalapa, o distrito da Cidade do México mais atingido pela epidemia. No mesmo terreno, estão as casas de cinco irmãos.

Em maio, todo mundo ficou doente. Adriana, de 43 anos, e Guadalupe, de 48, morreram.

“Foi muito difícil. Não sei o que aconteceu com elas, não sei por que não reagiram. Foram embora muito rápido!”, lamenta Pérez, que precisa enfrentar a angústia de ver outros adoecerem.

“Duas das minhas filhas tiveram sintomas leves e minha mãe teve sintomas mais fortes, mas ela aguentou e tem 75 anos”, completou.

Após a morte de Guadalupe em um hospital público da região, eles decidiram enfrentar a doença em casa.

“Esse hospital é uma porcaria, mesmo que você não tenha o vírus, basta entrar que você morre”, criticou.

– Apego à vida –

Mario Landetta, ginecologista de 60 anos, passou três semanas internado com COVID-19. Quando ele recuperou a consciência, acreditou que havia sido sequestrado e depois se viu de bruços e entubado. Delirou por 48 horas.

“Comecei a ter sentimentos paranoicos. Pensei que tivesse sido sequestrado, que estava internado há sete meses. Senti o tubo na traqueia, queria removê-lo”, lembra ele.

Isolado em casa uma semana depois de deixar o hospital, fala decidido, mas se move laboriosamente e ainda precisa de oxigênio.

“Eu estive muito perto de morrer, mas estou aqui”, diz ele.

Não tem medo de voltar a trabalhar na clínica, apesar do risco de adoecer novamente no momento em que as infecções totalizam 462.690 em todo país.

“A vida continua, você não pode enfiar a cabeça em um buraco como um avestruz”, afirmou.

– Solidariedade –

Seu irmão Alberto Landetta, de 53 anos e também médico, não tira a máscara com filtro de ar e luvas.

“Sou alertado quando um paciente com sintomas da COVID-19 chega. Eles o enviam para uma área especial, só eu entro e estou pronto em segundos”, diz.

Apesar de fumar e de estar acima do peso, ele decidiu atender pacientes com suspeita do novo coronavírus em uma clínica de sua família, na segunda zona com mais casos da capital.

Ele os testa e, se necessário, encaminha-os para um hospital.

“Na área, existem centros médicos onde dizem ‘pacientes com problemas respiratórios não são aceitos’. Alguém tem que atendê-los! Esta clínica tem mais de 50 anos, as pessoas confiam na gente. Temos que atendê-las”, justifica.

Três de seus pacientes regulares faleceram e, com o risco de se infectar, mudou seus hábitos.

“Parei de fumar e perdi 12 quilos”, relata.

– Desânimo –

A cesta de tacos vendidos por Daniel Sánchez, de 22 anos, e sua mãe, está vazia desde que o comércio informal foi proibido na área com alto número de casos onde vivem na Cidade do México.

O dinheiro começou a acabar, e Daniel teve que abandonar a universidade. Agora ele vê seu futuro com desânimo.

“Estou muito desanimado, sinto que não há nada a fazer, meu futuro é incerto. Estava estudando para conseguir um bom emprego, agora não vejo como”, diz ele com a voz embargada.

Pelo menos 10,4 milhões de pessoas deixaram de trabalhar no setor informal mexicano no meio da crise.

“Eu abandonei a faculdade. Eles não me deram um desconto, e era muito dinheiro para aulas on-line”, explica.

No lugar dos tacos, tenta vender suplementos alimentares entre os conhecidos da academia que frequenta.

“Por causa da pandemia, as pessoas com sobrepeso estão preocupadas e agora se exercitam em casa e me procuram”.