Discussão de lei dá margem a novo embate entre Polícia Civil e governo Tarcísio

Guilherme Muraro Derrite e Tarcísio de Freitas
Tarcísio de Freitas (à direita) ao lado do secretário e ex-PM Guilherme Derrite Foto: Marcelo S. Camargo/Governo do Estado de SP

A delegada Jacqueline Valadares, presidente do Sindpesp (Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo), disse ao site IstoÉ que o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) não tem interlocução com a corporação para regulamentar a Lei Orgânica das Polícias Civis no estado.

“Falta representação das carreiras policiais no grupo de trabalho [que discute a proposta] e, até agora, as entidades de classe não tiveram acesso ao projeto. É difícil trabalhar sem saber o que vão pautar para discussão na Assembleia Legislativa“, afirmou a delegada.

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A legislação foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em novembro de 2023 e estabelece normas nacionais de estrutura, requisitos de promoção e direitos para os servidores da Polícia Civil, antes variáveis por unidade federativa. Mas ela depende de regulamentação para ser adequada às condições de cada estado. Para isso, o Executivo estadual elabora um projeto e o envia para tramitação no Legislativo.

Na segunda-feira, 3, quando a Alesp retomou os trabalhos para 2025, a gestão Tarcísio fez uma ofensiva para angariar apoios a sua proposta. Os secretários da Segurança Pública, Guilherme Derrite, e da Casa Civil, Arthur Lima, estiveram na Casa, conforme reportou o jornal Folha de S. Paulo.

Diálogo escasso

No início de janeiro, o Palácio dos Bandeirantes criou um grupo de trabalho para discutir a regulamentação, e escolheu Mauricio Maculevicius, coronel da reserva da Polícia Militar e chefe do gabinete de Derrite, para coordenar os trabalhos. A escolha foi mal recebida pela Polícia Civil, que vê em Maculevicius um dos responsáveis por articular um reajuste inferior para os agentes da corporação na comparação com a PM.

Com a repercussão negativa, a administração trocou o coronel por Fraide Sales, secretário-executivo da Casa Civil estadual, que tem a companhia de delegados para elaborar a proposta. Para Valadares, no entanto, outras carreiras da corporação foram excluídas: “Não há como modernizar uma instituição sem ouvir a base”.

Segundo a delegada, o sindicato buscou Sales para entregar uma pesquisa, chamada “Raio-X da Carreira do Delegado”, com demandas que poderiam ser atendidas pela regulamentação da nova lei orgânica. Procurada, a Casa Civil informou que o “grupo de trabalho realizou a primeira reunião na última semana, quando foi deliberada a participação das entidades representativas para contribuir com as discussões e propostas para a Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado de SP”.

O site IstoÉ teve acesso ao levantamento. Entre os 711 delegados ouvidos, 96% mostraram insatisfação com o sistema de progressão de carreira por merecimento, que abre brecha para indicações políticas, e 74% pediram que o governador promova reajustes salariais compatíveis com o patamar nacional da categoria.

Em contato com o site IstoÉ, a Secretaria da Segurança Pública afirmou ter concedido um aumento médio de 20,2% para todas as carreiras policiais em 2023, primeiro ano da gestão Tarcísio-Derrite. Os delegados da Polícia Civil contestam a disparidade do que foi recebido pela PM e afirmam que os governos de Paraná, Santa Catarina e o federal — no caso da Polícia Rodoviária Federal — promoveram novos reajustes desde então.

Não é de hoje

O diálogo entre Polícia Civil e Bandeirantes é pouco amistoso desde que Guilherme Derrite assumiu a SSP, tornando-se o primeiro PM a comandar as polícias do estado. Oficial da reserva, o secretário comandou um pelotão da Rota (Rotas Ostensivas Tobias Aguiar), deixou a tropa de choque por excesso de violência e tem práticas distantes das adotadas pela corporação.

Para Guaracy Mingardi, ex-investigador da Polícia Civil e atual pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a corporação tem sido deixada de lado pelo governo estadual. “Está ficando envelhecida, burocratizada, e sofre com a falta de pessoal, recurso e equipamentos — mesmo no Departamento de Homicídios, talvez o mais funcional da Segurança Pública paulista”, disse.