Na reta final das eleições dos Estados Unidos – marcada para o dia 5 de novembro – o ex-presidente e candidato republicano, Donald Trump, tem inflamado cada vez mais os seus discursos — o que, na visão de especialistas ouvidos pelo site IstoÉ, pode instigar violência em seus apoiadores caso perca o pleito para a vice Kamala Harris.

A fala de Trump em um comício no Arizona foi destaque no “The New York Times” na manhã de sexta-feira, 1. No evento, o candidato insultou a ex-congressista Liz Cheney – uma de suas críticas republicanas – e usou imagens ameaçadoras sugerindo que ela deveria ser enviada para a linha de fogo.

“Vamos colocá-la com um rifle ali com nove canos atirando nela, OK? Vamos ver como ela se sente sobre isso”, disse Trump.

Na quarta-feira, 30, Trump denunciou, sem apresentar provas, supostas fraudes eleitorais no estado da Pensilvânia em “escala nunca vista antes”

Em outro momento, no dia 17 de outubro, o republicano afirmou que a invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, foi um “ato de amor” de seus apoiadores. “Eles pensaram que a eleição tinha sido fraudada e, por isso, eles foram”, completou.

Para analisar o clima eleitoral nos EUA e os fatores que podem influenciar esse pleito, o site IstoÉ entrevistou dois especialistas: Kai Enno Lehmann, professor de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo), e Vitelio Brustolin, professor de Relações Internacionais da UFF (Universidade Federal Fluminense) e pesquisador de Harvard. Eles discutiram o risco associado ao discurso inflamado de Trump e questões como economia e imigração.

IstoÉ: As últimas pesquisas de intenção de votos, como a recente divulgada pela Atlas/Intel (no dia 31 de outubro), mostram uma certa estabilidade em relação ao empate técnico entre Donald Trump e Kamala Harris. Ao que se deve isso?

Kai: Eu acho que tem três motivos: o primeiro é que o país está profundamente dividido e então é difícil achar eleitores indecisos, que poderiam ser convencidos a votar para um lado ou outro lado. As pesquisas de intenção de voto estão estáveis a semanas. Houve uma mudança significativa na votação democrata depois da troca de Joe Biden pela Kamala Harris. Naquele momento, ela apareceu na frente, mas depois estabilizou.

O segundo me parece, de alguém que observa de fora, é o erro da campanha de Kamala Harris de vendê-la como uma continuidade de Joe Biden. Ela foi questionada em várias entrevistas sobre como ela seria diferente do Joe Biden, mas ela disse que vai continuar com o bom trabalho dele.

Uma das coisas que as pesquisas de opinião mostram é que as pessoas nos Estados Unidos querem mudanças, não o mais do mesmo. Trump por bem ou mal, representaria essa mudança.

Então eu acho que juntando essas duas coisas explica esse resultado apertado. Embora, isso seria meu terceiro ponto, as pesquisas de opinião e intenção de voto nos Estados Unidos nas últimas eleições não têm sido muito exatas. Eu não sei até que ponto essa pesquisa vai além das várias outras que aparecem diariamente, são confiáveis.

Vitelio: Há vários motivos para os dois estarem empatados. Porém o ponto principal é a insatisfação com a economia do país.

O Trump sempre faz nos comícios dele uma provocação para que os eleitores coloquem a mão no bolso e questione se eles têm mais dinheiro agora do que em 2019, quando ele era presidente.

Geralmente as pessoas acham que tinham mais dinheiro em 2019. Mas é importante relembrar que depois disso teve a pandemia de Covid-19 a invasão da Rússia à Ucrânia, que afetou o preço dos combustíveis.

Devido à pandemia, tanto Trump quanto o Biden, deram cheques para as pessoas, distribuíram dinheiro e, dentre outras razões, isso pressionou a inflação do país, que chegou a 9%, maior patamar em quarenta anos, e refletiu no custo de vida das pessoas, pois é mais caro viver nos Estados Unidos hoje do que era durante o governo Trump.

Isso se dá por uma série de razões, inclusive o Trump foi dos responsáveis por essa inflação com as políticas usadas durante a pandemia.

Também há o reflexo das minorias étnicas, que poderiam se identificar mais com a Kamala Harris, porém que têm sofrido bastante por conta do custo de vida.

Algumas pessoas também se preocupam com questões que são defendidas por Trump. Grande parte da população negra e hispânica dos Estados Unidos é a favor da construção de muro com México, porque não gostam da situação de insegurança maior que os Estados Unidos atravessam.

Cerca 40% de eleitores negros e 43% dos hispânicos dizem que apoiam a construção de muro ao longo da fronteira sul. E da mesma forma, 45% dos eleitores hispânicos e 40% negros dizem apoiar a deportação de imigrantes sem documentos. Isso porque muitas dessas pessoas sofrerams para conseguir a cidadania, ou são filhos e netos de imigrantes que valorizam a cidadania é regularizada.

Cerca de 47% dos hispânicos dizem que o crime nas grandes cidades é o grande problema e pode sair do controle. Cerca de 50% dos eleitores brancos dizem a mesma coisa.

O fato de a Kamala representar a continuidade de Biden influência nisso e na alta reprovação dela em comparação a Trump. A maioria das pessoas entrevistadas pelas pesquisas consideram que o Trump seria melhor para economia do que a Kamala. Por outro lado, os dois candidatos têm propostas populistas para a economia. Os economistas são unânimes ao afirmar que as ideias deles para economia vão acabar afetando o custo de vida das pessoas.

O plano de Trump, por exemplo, é de tarifa mais elevada para produtos estrangeiros vai impactar no custo de vida do cidadão norte-americano. Porque se eleva a tarifas sobre produtos chineses – que é muito consumido nos Estados Unidos – quem vai acabar pagando por isso é o consumidor.

IstoÉ: Algumas pesquisas apontam a possibilidade de os dois terminarem empatados na eleição com 296 delegados cada. Na sua visão, o que pode acabar definindo essa eleição?

Kai: A Imigração é muito importante; inclusive, eu acho que isso é um problema para Kamala Harris na campanha, pois muitos eleitores democratas se preocupam com questões da imigração e ela tem responsabilidade no governo Biden para questões desse sentido.

A economia de modo geral está indo razoavelmente bem, mas isso não tem mudado as intenções de votos, pelo menos de acordo com as pesquisas de opinião. Então me parece, de novo olhando de fora, que a economia não tem tanta importância nessa eleição. Até porque na pandemia a economia dos Estados Unidos não estava indo mal durante o primeiro mandato de Donald Trump, então não seria nesse sentido uma enorme vantagem. Ele poderia dizer que só houve uma pandemia, e isso não foi culpa minha.

Então eu acho que muitos eleitores do Donald Trump olham para a época de 2017, 2018 e 2019 e depois de lá e pensam: ‘Naquele momento eu estava indo bem, minha família estava indo bem’.

A Kamala recentemente aborda a questão da identidade, imigração e a sobrevivência ou não da democracia americana.

Vitelio: A economia. Teve a questão da maior inflação em 40 anos. Conseguiu controlar a inflação fazendo o que: elevando as taxas de juros, algo que deixa a vida das pessoas mais cara.

Então, além dos preços terem ficado altos, os juros aumentaram. Conseguiram baixar os juros recentemente (em setembro de 2024, houve uma redução de 0,5 ponto percentual pela primeira vez em quatro anos), mesmo assim a economia pode ser decisiva.

Há também a questão de como funciona o sistema eleitoral dos Estados Unidos, porque a Hillary Clinton teve mais votos populares do que Donald Trump, mas perdeu no colégio eleitoral.

O Trump está liderando na maioria dos estados-pêndulos (Arizona, Carolina do Norte, Georgia, Michigan, Nevada e Pensilvânia,) e pode acabar vendo a eleição.

IstoÉ: Há clima hostil em torno desta eleição presidencial. Existe o receio de que se repita uma segunda invasão ao Capitólio?

Kai: Há uma sensação de que essa eleição não vai ser ‘normal’, assim como não foi no pleito de 2020. Algo pode acontecer imediatamente após a eleição, ou quando o candidato vencedor tomar posse.

Olha, eu acho que é possível uma segunda invasão ao Capitólio. Eu não vejo outro cenário na minha cabeça. O Donald Trump não vai aceitar caso Kamala Harris seja declarada vencedora. Eu acho que tem uma alta probabilidade de ter mais violência.

Vitelio: O Trump está se preparando, caso seja derrotado. Ele já está falando mal, e sugerindo contestar os votos pelos correios.

Agora uma nova invasão ao Capitólio, nesse momento, seria improvável visto que as forças de segurança dos Estados Unidos estão mais preparadas para conter, caso se tenha uma tentativa em relação a isso.

É importante relembrar que Trump era o presidente na época e o vice, Mike Pence. Os apoiadores invadiram o local no intuito de impedir Pence de declarar a vitória de Biden. Hoje a vice é Kamala Harris.

Por outro lado é provável que se tenha uma revolta se Trump perder, pois ele já vem preparando discursos inflamados e provavelmente vai mobilizar a população para contestar a eleição, não necessariamente de maneira violenta, mas como os ânimos estão acirrados, já se fala em violência neste momento, e o pleito nem ocorreu ainda.