O Al Janiah é um restaurante e centro cultural na Rua Rui Barbosa, no bairro do Bixiga, fundado por refugiados palestinos que se estabeleceram em São Paulo. Além de palestinos, trabalham ali refugiados da Síria e imigrantes de Cuba, Argélia, militantes antifascistas e brasileiros do Nordeste e da região Sul. A casa recebe inúmeros artistas locais e exilados de todas as partes do mundo, que encontram ali um lugar para expressar sua nacionalidade. O Al Janiah é um ponto de encontro multicultural onde são servidas especialidades árabes por um preço justo e se ouve boa música. É também um lugar de diálogo e trocas culturais que não promove a balbúrdia e não teve nenhuma briga em seus quatro anos de história. Possivelmente, por causa de tudo isso – por ser um lugar divertido, criativo, pacífico e tolerante –, o Al Janiah foi covardemente atacado no domingo 1, tudo indica, por extremistas de direita que lançaram spray de pimenta no seu interior e usaram facas para atacar suas portas. Um boletim de ocorrência foi registrado no 5º Distrito Policial por danos ao patrimônio e riscos para a vida ou saúde de outros. Pelo que se sabe até agora foi uma ação gratuita movida pela intolerância de gente que não se conforma com espaços dedicados às minorias.

Segurança reforçada

Os agressores não gritaram nada, nenhuma palavra de ordem ou xingamento. Eram cinco, quatro homens e uma mulher, todos na faixa dos 20 anos. Um deles vestia uma camisa estampada com a bandeira do estado de São Paulo e outro estava com uma jaqueta punk. Havia cerca de 70 pessoas no Al Janiah no momento do ataque, que aconteceu às 3h30 da manhã, quando o DJ Marcel Da Leoni fazia uma apresentação. O vídeo feito pela câmera de segurança, que não permite uma identificação nítida dos suspeitos, mostra o grupo parando na frente do lugar e a confusão se formando. Tudo aconteceu muito rápido. Os efeitos do spray de pimenta se espalharam pelos dois andares do restaurante e causaram incômodo nos clientes e funcionários. Uma cliente tentou chamar a polícia, mas não teve sucesso. “A gente tem uma equipe de segurança muito boa e felizmente ninguém se machucou”, conta o gerente do Al Janiah, Bilal Gaber, de 42 anos, refugiado palestino-libanês que está desde 1997 no Brasil. “Acho que essa agressão covarde reflete o que está acontecendo no Brasil de forma geral, onde o próprio presidente incita o ódio e promove a violência contra minorias”. Assim que perceberam que o restaurante estava sendo alvo de um atentado, os seguranças tentaram conter os extremistas, que saíram correndo. Não foi possível alcançá-los, mas a jaqueta punk foi arrancada de um deles.

Pelo que se sabe foi uma ação gratuita movida pela intolerância de gente que não se  conforma com espaços que protegem minorias

O nome Al Janiah faz referência a um vilarejo na Cisjordânia que é parte dos territórios palestinos ocupados por Israel. É o segundo ataque que o restaurante sofre ao longo de sua história. O primeiro foi em 2016, depois de uma passeata de protesto contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Na ocasião, o restaurante ficava em outro endereço, na Rua Álvaro de Campos, e a ação violenta foi perpetrada pela Polícia Militar, que lançou, sem motivo, uma bomba de gás lacrimogêneo no estabelecimento. Foi uma ação arbitrária, já que não acontecia no momento nenhum protesto na rua do restaurante, que mantinha sua programação cultural normal. Além disso, nenhum outro local foi atacado. Quando funcionários foram avisar a polícia que o Al Janiah era um bar e restaurante, mais duas bombas foram lançadas do alto do viaduto Nove de Julho. “Pelo nosso tipo de luta, a gente está sujeito a ataques desse tipo”, diz Gaber. “Hoje em dia qualquer espaço cultural que preze pela convivência e tolerância está em risco”.

O caso do Al Janiah mostra que a tensão social aumenta e que o discurso de grupos radicais pode se transformar em ação violenta a qualquer momento. Por causa da agressão da semana passada, o centro cultural recebeu mensagens de apoio do mundo inteiro, inclusive da Frente Popular para a Libertação da Palestina. O vereador Eduardo Suplicy (PT) fez um discurso na Câmara denunciando a agressão e passou pelo local à noite para prestar solidariedade aos funcionários e frequentadores. Houve uma perícia no Al Janiah e seus proprietários esperam agora que haja uma investigação policial para identificar os agressores. De qualquer forma, fica o trauma e o receio de um novo ataque. Os extremistas estão à espreita e podem sair da toca quando menos se espera.