Após mais de cinco anos à frente do protagonismo dos debates, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve recalcular sua rota e passar à discrição pelos próximos dois anos. A chegada do ministro Edson Fachin à presidência da Corte tende a tirar o Judiciário um pouco do holofotes, passando a atuar mais nos bastidores.
Fachin assume o comando nesta segunda-feira, 29, no lugar do ministro Luís Roberto Barroso, e fica até 2027, quando repassará a cadeira ao seu vice, o ministro Alexandre de Moraes.
Até lá, juristas e ministros da Corte avaliam que o perfil do STF deve seguir o caminho trilhado pelo ministro desde quando foi nomeado, em 2015, no lugar de Joaquim Barbosa. Em 10 anos, Edson Fachin sempre esteve longe da exposição, até mesmo quando ganhou protagonismo ao ser escolhido relator da Lava Jato após a morte de Teori Zavascki, em 2017.
Um ministro do STF disse, reservadamente, acreditar que Fachin seguirá cauteloso e que acha positiva a chegada dele após anos em que a Corte entrou na mira da opinião pública. Nos últimos anos, o Supremo se tornou protagonista em tensões com o Executivo, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), e com o Legislativo, nos últimos cinco anos.
Mesma opinião compartilha o advogado Antônio Carlos de Almeida Castr0o, o Kakay. Para ele, o perfil da gestão de Fachin à frente da Corte deve se comparar com a de Ellen Gracie, que comandou o Judiciário brasileiro entre 2006 e 2008.
“Acho que o STF vai dar um passo para trás nessa exposição, o que é muito positivo. A gestão do Fachin fatalmente será parecida com a ministra Ellen Gracie, que era muito discreta”, afirma o advogado.
Juristas acreditam que debates mais legislativos, como a legalização do aborto, devem ficar em segundo plano por um tempo. Na gestão Barroso, por exemplo, o aborto e a liberação do porte de maconha foram dois dos temas que geraram atritos com o Congresso Nacional.
Ainda que a cautela seja a palavra da vez, Ingo Wolfgang, professor da PUC-RS e um dos juristas mais citados em decisões do STF, avalia que a chegada das eleições de 2026 pode acirrar o tensionamento entre os Poderes a depender das pautas que serão colocadas na ocasião. Mesmo assim, acredita na manutenção da firmeza de Fachin na defesa da democracia.
“Levando em conta que 2026 será um ano eleitoral, é de se esperar um acirramento dos ânimos e possivelmente também dos níveis de polarização. A sensibilidade dos temas levados ao crivo do STF não tende a diminuir e seja qual for a decisão sempre haverá insatisfeitos”, afirma o jurista.
“De todo modo, o Ministro Fachin deverá seguir a política de evitar desgastes desnecessários e de promoção de um diálogo institucional, mas para que tal diálogo ocorra, é imprescindível que exista disposição sincera de todos os envolvidos”, completa.
Além das pautas legislativas, a tentativa do Congresso em conceder anistia para os condenados de 8 de janeiro intensificou a colisão entre o Legislativo e o STF. O benefício poderia atingir Bolsonaro, condenado a 27 anos e três meses de prisão por participação na trama golpista. Após articulações do Senado junto a ministros da Corte, ficou acordado um texto desidratado, com a redução das penas dos condenados, retirando o ex-presidente da lista de beneficiados. A proposta está em discussão na Câmara dos Deputados e não tem data para ser votada.
Wolfgang aponta que os próprios Poderes não colaboram para a redução do cabo de guerra ao colocarem em pauta projetos inconstitucionais. Além do PL da Anistia, o jurista cita a PEC da blindagem, que previa autorização do Congresso para abertura de investigações contra parlamentares. O texto foi enterrado pelo Senado na última semana por unanimidade.
“Depende também muito de como os demais Poderes se posicionam em face do STF e do Poder Judiciário, pois muitos embates poderiam ser evitados ou pelo menos minimizados se determinadas medidas não fossem tomadas pelo Congresso ou pelo Executivo, que sabidamente serão levadas ao STF e previsivelmente fulminadas no todo ou em parte”.
“Um exemplo positivo recente foi o da derrota fulminante da PEC da Blindagem, que, caso aprovada, fatalmente seria derrubada por inconstitucionalidade. O caso da anistia, onde já se observam temperamentos, é outro caso emblemático a ser citado”, pontua o ex-magistrado.
Fachin com foco no CNJ e projetos estruturantes
Além do STF, Edson Fachin assumirá a presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável por aperfeiçoar o Poder Judiciário e julgar juízes, desembargadores e ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O órgão é responsável ainda por trazer diretrizes aos Tribunais de Justiça e intensificar a comunicação com outras autarquias, como o Banco Central.
Para Ingo Wolfgang, o avanço de projetos estratégicos para o CNJ, como o avanço do uso da inteligência artificial nos Tribunais de Justiça deve ser um dos focos de Fachin à frente do conselho nos próximos dois anos.
“Penso que é de se esperar também a consolidação de projetos estruturalmente estratégicos em nível de CNJ, ademais de novos avanços, o que tem sido uma constante ao longo dos anos. Um exemplo deve ser a implementação da resolução sobre o uso da IA no Poder Judiciário, carente de permanente atualização, dada a velocidade com que tais tecnologias se desenvolvem”, afirma.