Marie Belhomme conversa com o repórter pelo telefone, de Paris. É a diretora de Esperando Acordada, a simpática comédia com Isabelle Carré que estreou na quinta, 18, nos cinemas brasileiros. Quando ele lhe pergunta se o filme se inspira em alguma história real, ela diz que não, mas faz a ressalva – “Quando era criança, minha mãe provocou um acidente de carro. Atropelou um menino que andava de bicicleta. E se sentiu tão culpada que ia todos os dias visitá-lo no hospital e, depois, em casa, a ponto de nos negligenciar, a nós, seus filhos. Lembro-me que, no Natal, ela lhe deu os melhores presentes. Ficamos com raiva.”

Pode ser que, no fundo, lá no inconsciente, Esperando Acordada tenha nascido como um acerto de contas, mas, de qualquer maneira, Marie confessa que gosta muito do tipo de personagem interpretada por Isabelle Carré. “Gente à deriva na vida, que não tem muita confiança em si mesma. Dão ótima ficção, embora não seja nada fácil passar insegura pela vida.” Ela sabe do que fala. “Tenho minhas inseguranças, como todo mundo. E, em geral, tudo o que me ocorre de bom, a ficção que produzo, nasce desse olhar que não é triunfante sobre o mundo. Deve ser muito chato querer ser super-herói”, ela diz.

O filme é sobre essa mulher que anima festas e se oferece, como música (presque, quase) profissional, a dar aulas. Ela veste uma fantasia e, ao pedir informações num posto, provoca um acidente que deixa o personagem de Philippe Rebbot em coma. Marie admite que ficou com vergonha – “Embora não seja muito conhecido, Philippe é um ótimo ator (está no elenco de ‘Os Cavaleiros Brancos’, outro filme em cartaz) e eu lhe ofereci o papel de um cara em coma, que passa quase todo o filme deitado, inconsciente, numa cama.” Outra personagem – a dona de uma casa de assistência a idosos – cabe a Carmem Maura.

“Confesso que escrevi a personagem para ela, mas não me atrevia a acreditar que Carmem fosse aceitar. Todos aqueles grandes papéis nos filmes de (Pedro) Almodóvar. Felizmente, minha produtora ousou lhe enviar o roteiro. Carmem topou, e nem se importou com o tamanho do papel, que, naturalmente, cresceu com ela, pelo simples fato de que é maravilhosa.” E Isabelle Carré? “É maravilhosa. Isabelle ganhou o Cesar (o Oscar francês) e foi indicada muitas vezes, umas cinco ou seis para o premio. Também ganhou o Molière, que é o maior prêmio do teatro da França. Sei que meu filme tem ‘maladresses’ (defeitos), mas uma coisa de que me orgulho é do meu elenco. São todos ótimos.”

E o filme é ousado. Carente, insegura, a protagonista começa a se aproximar do homem em coma. Falando, estabelece um contato com ele. Passa a tocá-lo, deita-se com ele na cama do hospital. Marie Belhomme chega a criar um personagem – o enfermeiro fisioterapeuta – que intervém comicamente nessas cenas de intimidade. “Concordo que são cenas mais ousadas que parecem. É como se Isabelle (a atriz) estivesse abusando dele.

Foi assim que lhe pedi que interpretasse, e ela correspondeu, com a eficiência de sempre.” A trama toma outro rumo quando… Veja o filme para saber, mas o interessante é que, lá pelas tantas, a fragilizada Isabelle usa um disfarce – fantasia – para enfrentar uma nova situação que se criou.

Justamente o disfarce. Marie Belhomme conta que o cineasta que mais admira no mundo é Billy Wilder, um mestre do disfarce. (A propósito, seu filme do coração é Se Meu Apartamento Falasse, se lhe interessa saber, e Marie diz que seu efeito sobre ela é terapêutico. Faz com que se sinta melhor.) Mas a fantasia de bicho lembra também o longa sensação do recente Festival de Cannes – Toni Erdmann, de Maren Ade. “Ainda não vi, mas todo mundo me fala desse filme. Entendo que o filme dela (Maren) é muito mais complexo que o meu, que é só uma comédia simples, feita com coração. Mas acho curioso como muitas vezes a gente chega às mesmas soluções. Já me falaram dessa fantasia em Toni Erdmann. Para mim, deve ser puro Billy Wilder.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.