A diretora de Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos Corporativos do Banco Central, Fernanda Guardado, reforçou nesta terça-feira, 28, a necessidade de compromisso do governo com o cumprimento das metas fiscais, que poderia gerar um “impacto virtuoso” nas expectativas de inflação do mercado.

“O Banco Central é um órgão muito comprometido com metas: nós temos a nossa, a meta de inflação, e estamos altamente comprometidos com ela. E vemos muita necessidade de manter esse compromisso com a meta fiscal, exatamente para ter esse impacto positivo e virtuoso”, disse ela, em um evento do banco de investimentos Morgan Stanley, em São Paulo.

Fernanda lembrou que a política fiscal tem impactos nos preços de ativos e nas expectativas do mercado e disse que uma das hipóteses que podem explicar a desancoragem das expectativas de inflação de longo prazo no Brasil é justamente a incerteza em torno do cumprimento das metas fiscais nos próximos anos.

“Isso tem um impacto direto nas nossas projeções de inflação, porque é tudo endógeno”, afirmou a diretora, lembrando ainda que um segundo impacto possível da política fiscal na inflação – menos relevante agora – seria um eventual estímulo à demanda.

Ela lembrou que o BC trata a política fiscal como “input” para seus modelos. “A gente não faz julgamento ex-ante a priori de qualidade, etc, da política fiscal, mas ela tem um impacto inicial direto sobre preços de ativos e expectativas de inflação”, disse.

Ritmo de crescimento da economia

A diretora do Banco Central afirmou também que a economia brasileira tem crescido acima da tendência, mas que há sinais de moderação a partir do terceiro trimestre. “Já se observa uma moderação ao longo do terceiro e quarto trimestres nos indicadores de alta frequência do ritmo de crescimento da economia, com alguma heterogeneidade”, comentou.

Ela citou a acomodação do setor de serviços, após um forte crescimento no primeiro semestre, enquanto indústria e comércio estão de lado.

A diretora acrescentou ainda que os índices de confiança têm piorado entre o fim do terceiro e o início do quarto trimestres. “Isso é compatível com esse ritmo de crescimento mais moderado que o Banco Central espera já há algum tempo”, afirmou.

Observou também que os consumidores brasileiros têm um comprometimento de renda alto, que vem diminuindo, mas continua próximo dos picos históricos. Mas ponderou que o aumento da renda real – devido, em parte, à queda dos preços de alimentos – e programas como o Desenrola ajudam a moderar os impactos dessa alavancagem.

A diretora destacou que as expectativas de inflação dos consumidores têm caído, em linha com a redução da inflação acumulada em 12 meses.

Ganhos salariais reais

Fernanda Guardado disse que o crescimento real dos salários tem sido “bastante comportado” no Brasil, de no máximo 1% ou 2%, o que reforça a confiança no processo de desinflação. “A cautela que esses dados trazem é, dado que temos um mercado de trabalho que tem sinais de moderação, mas está saudável, se essa tendência de desaceleração de ganhos nominais vai persistir ou se eles vão atingir um platô de ganhos nominais que não é compatível com a meta”, comentou.

Por ora, o comportamento dos salários está dentro do esperado, mas os últimos números da Pnad mostraram um mercado de trabalho ainda forte, destacou Guardado.

Ela lembrou ainda que já havia a expectativa de alguma recuperação das perdas reais de salários no momento em que a inflação acumulada em 12 meses começa a cair.

Condições financeiras dos EUA

A diretora disse ainda que houve um afrouxamento importante das condições financeiras dos Estados Unidos nas últimas duas semanas, o que coloca dúvidas sobre a ação do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) à frente. “A se pensar se isso é muito compatível com a estratégia que o Fed quer seguir neste momento, talvez não seja, dado que ainda existem desafios importantes de convergência da inflação nos Estados Unidos”, comentou.

Segundo a diretora, isso pode levar o Fed a buscar intervenções verbais ou decisões que possam contrapor esse relaxamento, caso a autoridade monetária americana considere que as condições financeiras não são compatíveis com o nível de aperto que julga necessário para diminuir a inflação.

“É uma possibilidade, isso pode acontecer, e aí você tem de novo a volatilidade para outro lado nos preços do ativos”, comentou, lembrando que o relaxamento recente após dados de inflação ao consumidor benignos nos Estados Unidos permitiu uma queda dos rendimentos da T-Note de 10 anos.

Ela observou que o ambiente global ainda pede cautela dos bancos centrais.

Mais cedo, Guardado lembrou que o mundo tem evoluído no ciclo de desinflação, em parte devido à queda dos preços de alimentos. Mas destacou que métricas observadas mais de perto pelos bancos centrais, como a inflação de serviços, têm moderado na margem. A dúvida, agora, é o nível em que essa inflação vai se estabilizar, devido aos mercados de trabalho robustos globalmente.