Diretor artístico de O Outro Lado do Paraíso, Mauro Mendonça Filho se despede da novela das 9 comemorando mais um sucesso em parceria com o autor Walcyr Carrasco. Apesar das polêmicas (ou por causa delas), o folhetim recuperou a audiência no horário.

A novela chega ao final nesta sexta, 11, na Globo, e, após 7 anos ininterruptos, Mauro teve aval da casa para tocar projetos que já vinha criando com parceiros como Bráulio Mantovani e Alexandre Machado, além de, em 2019, estrear o musical Green Day – American Idiot e começar a dirigir a cinebiografia Princesa Isabel. Ele falou com a reportagem.

O Outro Lado do Paraíso abordou temas como violência doméstica e pedofilia. Quais desses temas mais sensibilizaram o público e geraram mais discussão?

Os abusos que as mulheres sofreram ao longo dos tempos sempre foram uma questão espinhosa colocada debaixo do tapete. Estamos vivendo uma revolução no comportamento, em que as mulheres do mundo todo estão dando um basta a séculos de privações. Isso, claramente, vem influenciando (positivamente, a meu ver) os movimentos do audiovisual. As novelas, tão influentes no Brasil, não podiam ficar de fora, e a parabólica do Walcyr apontou ágil e corretamente para o presente. Quanto à abordagem da pedofilia, seja no cinema, no teatro, na literatura, a verdade é que o assunto é delicado demais, parecia praticamente impossível de se visualizar em uma novela das 21h. Mas compramos esse desafio. Acho que fomos eficientes, porque procuramos nos aproximar, com a maior delicadeza do mundo, do sentimento de quem viveu essas situações.

Aliás, as cenas de violência doméstica causaram certa rejeição do público. Já estavam preparados para isso?

Nunca houve rejeição do público, essa foi minha percepção. Houve, sim, um torpor, um choque pelo fato de a violência doméstica estar na trama principal e pelo impacto das cenas. Era difícil, naquele momento, as pessoas se identificarem com o lado fantasioso da novela, diante de situações tão gráficas. Ao mesmo tempo, não havia uma pessoa, uma classe social, uma faixa etária que não considerassem o assunto relevante. Isso era evidente, não só nas pesquisas, mas no contato direto com o público. Se houvesse mesmo essa rejeição, não teria havido aquele aumento de oito pontos de audiência, de uma semana para outra, quando Clara começou a articular sua vingança.

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A primeira fase precisou, de fato, ser modificada e encurtada por causa da audiência?

A primeira fase foi, sim, um pouco longa demais. Por um erro de avaliação, achou-se que os abusos que um homem como Gael infringia a uma mulher como Clara podiam durar cinco semanas de dramaturgia sentimental de casal. Era uma tentativa de se aproximar da violência doméstica da realidade, em que os movimentos de vaivém, de perdão e recaídas são constantes, porque tem sempre amor envolvido. Só que hoje a rua fala muito alto e isso não funcionou na ficção. As pessoas acharam que a relação dos dois parecia mais uma história de terror do que de amor. Essa reação não foi surpreendente para mim, também é reflexo dessa revolução que estamos vivendo, esse “basta!”. Mas, diferentemente do que foi propagado, essa primeira fase não foi encurtada. Não houve perda nenhuma de capítulos, em termos de numeração. O que aconteceu foi que, por duas semanas, fizemos capítulos menores que o habitual, ajustando os ponteiros, eliminando cenas sentimentais excedentes entre Gael e Clara e fazendo dois dos núcleos se voltarem mais para o cômico. Algo absolutamente natural em um processo de trabalho.

Ao longo da novela, houve grandes cenas, como a do retorno de Clara. Para você, quais foram desafiadoras de dirigir?

Particularmente, a regressão de Laura exigiu muito de mim. Não só pela dificuldade na abordagem da pedofilia, como pelo desafio de achar uma forma visual que pudesse tornar o assunto palatável ao público. Sugeri ao Walcyr fazermos uma passagem de bastão da atriz mirim para a atriz adulta, para termos alguma liberdade na realização, e ele veio com a ideia da regressão. Mas, mesmo com a (atriz) Bella Piero fazendo as cenas, não cabia enveredar por um caminho gráfico-sexual, seria pesado demais. Optei por uma linguagem expressionista, inspirada no cinema alemão dos anos 20, Polanski, etc., e acredito que fui bem-sucedido, pois a resposta do público foi muito boa e a questão, assimilada com emoção.

Algumas cenas foram consideradas absurdas e outras, criticadas, como a da coach ajudando a paciente que sofreu abuso. Acha que essas críticas e repercussões foram exageradas?

Walcyr é um autor amplo, diria até indecifrável. Não tem pudor nenhum em fantasiar algumas situações, ao mesmo tempo que aponta para o realismo com a precisão de uma flecha. Ora escreve cenas simplórias, ora sofisticadíssimas. Ora rasas, ora de profundidade comovente. Ora criticado, ora elogiadíssimo. Nas suas novelas, não rola preguiça, tem sempre variedade, reviravoltas, polêmicas, pulsa sangue. Se alguém achar que o sucesso que ele faz é acidental, deve mais é rever seus conceitos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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