EXTREMOS Na Praça do Rocio (Lisboa), manifestação do Chega, que deve alcançar o terceiro lugar (Crédito:CARLOS COSTA)

Depois de assustar países como a Alemanha, a Espanha e a França, a ultradireita dá as caras também em Portugal, país que até agora vinha sendo relativamente imune ao discurso extremista e xenófobo. Neste domingo, 30, os portugueses encerram as eleições antecipadas para a Assembléia da República com dois favoritos em disputa voto a voto: o atual primeiro-ministro António Costa, do Partido Socialista (PS), e Rui Rio, do PSD (centro-direita). Mas as atenções estão voltadas para o crescimento do candidato André Ventura, do Chega, que pode saltar para um terceiro lugar entre os nove partidos e blocos concorrentes. Nesse caso, balançaria a inusitada união da esquerda e extrema-esquerda que governou a nação por longos seis anos, numa coligação que foi apelidada pejorativamente de “geringonça”. Os eleitores já iniciaram a votação no domingo passado, 23, para evitar aglomerações devido à pandemia.

Os portugueses estão intrigados com a reviravolta que levou ao crescimento da ultradireita radical, que utiliza o discurso clássico dos temas nacionalistas, contra a corrupção e os imigrantes. Para o professor António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, há um “cansaço de seis anos de governos de esquerda”. Mas a principal razão seriam as crises internas na “geringonça”, liderada pelo PS. O primeiro-ministro, que vinha governando em parceria com o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, do PSD (centro-direita), ficou sob “fogo amigo”, o que possibilitou o crescimento dos radicais de direita do Chega.

“O Chega é um partido de ultradireita. Tem o voto de protesto populista e recupera o eleitorado conservador” António Costa Pinto, professor de Ciência Política da Universidade de Lisboa

Nas eleições legislativas, os portugueses escolhem partidos ou blocos por meio de listas fechadas, que garantem determinado número de eleitos à Assembleia de acordo com uma fórmula que leva em conta a representação regional. Em 2019, o PS garantiu uma maioria mais frágil para sua coligação do que havia conseguido em 2015. Um racha no bloco governista ficou patente, quando o orçamento de 2022 foi rechaçado por seus aliados. Com o primeiro-ministro sem apoio para governar, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, dissolveu o parlamento e convocou eleições antecipadas.

Nesse reequilíbrio de forças, a direita encabeçada por Rui Rio ganhou espaço e ameaçou as chances de António Costa (PS). Sem deixar de lado a disputa acirrada por votos nas ruas e na TV, os dois se valem do bom humor. É um contraponto ao extremista André Ventura, que deve arrebanhar votos de partidos populistas e conservadores. Costa Pinto salientou que as projeções do início da semana davam vitória novamente ao PS por pequena margem, com o Chega e o Iniciativa Liberal (IL) saltando dos 1,3% que cada um teve em 2019 para 6% e 4%, respectivamente.

NO RASTRO Único representante do Chega na Assembleia, André Ventura comemora crescimento da ultradireita (Crédito:Pedro Rocha)

“O Chega é da direita radical populista, como o Vox da Espanha. Essa extrema direita chegou a Portugal mais tarde do que em outros países da Europa. Vem como protesto, em defesa da lei e da ordem e contra a corrupção, seus temas clássicos. Discrimina ciganos e africanos”, diz Costa Pinto. Em Portugal, a rejeição a imigrantes se dá contra minorias culturais, segundo o cientista político, da mesma forma como na França, contra aqueles que não adotam valores culturais do país. Praticamente não existem imigrantes muçulmanos, por exemplo, e poucos do Oriente (do Paquistão e do Sri Lanka), que trabalham com agricultura de exportação. Chineses não entram como mão-de-obra, observa, mas como investidores – e para terem residência na Europa. Brasileiros, na maioria, também não são foco de extremistas.

Para o cientista político, a ultradireita cresce no continente europeu por uma crise de representação dos principais partidos centristas (de centro-esquerda e centro-direita). Assim, também houve margem em Portugal para o aumento de votos na direita radical. Mesmo assim, “os dois principais partidos de Portugal, nos últimos 40 anos, ainda têm dois terços do parlamento”, diz o cientista. É uma estabilidade invejada pelos vizinhos europeus, às voltas com movimentos extremistas que tendem a desafiar minorias e a própria União Europeia. Todos esperam que o país mais ocidental da Europa continue a servir de exemplo.