A capital francesa ainda se recuperava da escassez deixada pela Segunda Guerra Mundial quando Christian Dior abriu seu ateliê e lançou sua primeira coleção em 1947. A silhueta masculina dos modelos que marcavam o período foi deixada para trás. Dos croquis do costureiro francês, que estudou Relações Internacionais por imposição dos pais, nascia a fórmula responsável por transformar a beleza e a elegância da mulher: ombros suavemente expostos, cintura bem-marcada e quadril amplificado por uma saia volumosa. O modelo rapidamente se tornou a mais pura expressão da feminilidade moderna, dando início à história de sucesso da Dior, uma das mais influentes e refinadas do seleto universo da Alta Costura. “O New Look de Christian Dior desafiou as noções de vestir com modernidade e rigor, devolvendo às mulheres as curvas e o requinte que a guerra havia apagado, de um jeito que foi transformador para a época”, afirma Maria Grazia Chiuri, a italiana que é a nova diretora criativa de moda feminina e acessórios da Dior. É também a primeira mulher a ocupar o cargo na maison francesa. ”Eu me esforço para estar atenta e aberta para o mundo e criar a forma que se assemelhe às mulheres de hoje”.

Ao colocar a mulher à frente e no centro de suas criações, Maria Grazia mostra empenho para seguir a tradição da grife. Em seu desfile de estreia, em janeiro, ela levou para a passarela uma modelo vestindo uma camiseta com a frase: “We all should be femininist”. A frase emblemática é da jovem escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, que luta por igualdade de raças e gêneros. E dá o tom do “novo estilo” feminista contemporâneo que Maria Grazia começa imprimir no luxuoso ateliê localizado no número 30 da Avenida Montaigne, em Paris. O endereço é o mesmo desde 1946 e, ao lado das avenidas Champs Elysées e George V, compõe o “triângulo do ouro” na capital francesa.

Dior ficou apenas uma década à frente da sua grife. Morreu vítima de infarto durante umas férias na Itália, aos 52 anos. Embora curto, o tempo foi suficiente para que se tornasse um dos estilistas mais cultuados de todos os tempos. Sob seu comando a grife francesa lançou diversos produtos ícones como os perfumes Miss Dior, em homenagem à irmã, que era assim chamada, o Diorissimo, com predominância de lírios do vale, seu amuleto, e o batom Rouge Dior — um vermelho vibrante.

Também abriu a Dior-Delman para produzir sapatos feitos à mão e sob medida desenhados por Roger Vivier. Fez desfiles na Inglaterra, na Austrália e na América do Sul. Em 1951, seu ateliê já empregava 900 pessoas. Decidiu então expandir seu império e estampou sua luxuosa marca em uma butique na 5ª Avenida, em Nova York, a primeira fora da França. Suas criações, com muita seda e tules bordados, eram um sucesso e seu nome associado a refinamento e elegância. A grife ganhou uma filial em Londres. A linha de produtos só aumentava. Lenços de seda, luvas e bijuterias também levavam sua assinatura.

O início

Dior tinha muitos amigos artistas. Desde cedo se interessou por atividades artísticas e frequentou ateliês de pintura e desenho. Chegou a abrir uma galeria de artes em 1927. Filho de comerciante, teve infância e adolescência tranquilas na pacata Granville, na região da Normandia. Apaixonado pelas flores, acompanhava a mãe nos cuidados com os jardins da casa. Em 1930, porém, seus pais atravessaram uma grave crise financeira. A casa foi hipotecada. Dior, então, se mudou para Paris e começou a desenhar croquis para a seção de Alta Costura do jornal Le Figaro. Também desenhava chapéus e produzia croquis de roupas e acessórios para diversas maisons de Paris. Seu belo trabalho chamou a atenção do estilista suíço Robert Piquet, que o contratou em 1938. Um ano depois foi convocado para servir na Segunda Guerra. De volta, criou coleções em parceria com Pierre Balmain até abrir seu próprio ateliê em sociedade com o industrial Marcel Boussac.

Dior publicou livros sobre sua carreira, foi capa da revista americana Time, ganhou prêmios. Deixou um legado precioso. Todos que o sucederam, buscaram inspiração nas centenas de modelos geniais que produziu. “Os valores de Christian Dior eram os de excelência em tudo o que ele se comprometeu a fazer. Sua missão não era apenas fazer suas clientes, ou melhor, todas as mulheres mais bonitas, mas ajudá-las a sonhar e a ser mais felizes”, afirma Sidney Toledano, que liderou um período de expansão exponencial da Dior nos anos 1990 – época em que a grife desenvolveu a linha de joalheria, abrindo lojas exclusivas em Nova York e Paris.

No cinema

O grande canal de divulação mundial de produtos naquela época era o cinema. Vestir belas atrizes era uma estratégia utilizada pelas marcas luxuosas. Brigitte Bardot, Sophia Loren e Marlene Dietrich vestiram criações Dior em suas produções. Fora da telona, Dior também era o queridinho das celebridades. O vestido de noivado de Grace Kelly com o príncipe Rainier, de Mônaco, realizado no hotel Waldorf Astoria, em Nova York, levava sua assinatura. Marylin Monroe, Elizabeth Taylor, Gina Lollobrigida também vestiram peças desenhadas exclusivamente para elas.

Os sucessores

Dior morreu deixando 28 ateliês e 1.200 funcionários. Yves Saint-Laurent foi o primeiro costureiro a assumir a maison. Tinha apenas 21 anos, mas já era assistente de Dior. Inovador, promoveu uma nova revolução com os icônicos vestidos trapézio. Embora marcante, a passagem de Saint Laurent foi breve. Um ano depois de assumir o posto foi convocado para servir o exército na Guerra de Independência da Argélia e teve que partir. Foi substituido por Marc Bohan, um dos estilistas mais longevos ao lado do polêmico e extravagante John Galliano. Durante quase duas décadas em que esteve à frente da marca, as saias amplas deram lugar a uma linha mais enxuta criada por Bohan, delineando a silhueta feminina. Novos perfumes foram lançados. Na moda, surgem as coleções prêt-à-porter que levam para as lojas as roupas prontas, dando lugar a um novo segmento além da Atla Costura, feita sob encomenda e sob medida. Novos profissionais são contratados assim como novos produtos, lançados. Nasce a linha masculina e a infantil, os produtos de beleza, os acessórios. Estrelas do cinema, como Isabelle Adjani — com o Poison — são contratadas para divulgar seus perfumes. Seguindo a linha sucessória, Gianfranco Ferré entra no lugar de Bohan em 1989.

Em 1995, a Dior tinha acabado de lançar uma bolsa estruturada e de mão. O belo acessório chegou às mãos da princesa Diana, como presente da primeira-dama da França, Bernadette Chirac, durante visita do casal real inglês ao país. A princesa gostou tanto do presente que a maison francesa, numa bela jogada de marketing, batizou o acessório de Lady Dior, numa alusão à Lady Di, como a princesa era chamada. A bolsa nunca mais deixou de ocupar a lista dos produtos-desejo da grife.
Em 1996, o excêntrico estilista inglês John Galliano assumiu o comando criativo. Dando início à era luxo-ostentação da maison. Criou para Lady Di seu primeiro vestido, que a princesa usou no Met Gala, realizado no Metropolitan, em Nova York.

Naquele ano, o evento beneficente homenageou a Dior. Sua expressão “J’adore” (adoro, em francês) acabou nome de um dos perfumes também top list da marca. Galliano ousou, provocou e causou com seus modelos extravagantes. Colocou a Dior novamente em evidência. Em 1999, a grife abriu sua primeira — e única — loja no Brasil. Se instalou inicialmente no que se chamava de quadrilátero do luxo, em São Paulo, formado pelas ruas Haddock Lobo, Oscar Freire, Vitório Fasano e Bela Cintra, nos Jardins. Atualmente, recebe seus clientes no Shopping Cidade Jardim. Galliano acabou demitido em 2012 por declarações antissemitas. Seu sucessor, o belga Raf Simons imprimiu um olhar minimalista e clássico. Três anos mais tarde, passou o bastão para Maria Grazia, que tem pela frente o desafio de manter a genialidade da Dior, que há sete décadas veste rainhas, princesas, primeiras-damas, celebridades, atrizes e inspira gerações inteiras de mulheres em todo o planeta.