Dino abre portas para divergências e penas menores para réus da trama golpista

Ministro teve voto mais brando que o esperado, dando brechas para as defesas de três réus por participação no plano de golpe de Estado; para Bolsonaro e Braga Netto as penas devem chegar até 30 anos de prisão

Flávio Dino
Ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), durante julgamento da trama golpista Foto: Gustavo Moreno/STF

A divergência do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a pena de três réus da trama golpista jogou uma luz no fim do túnel para as defesas que buscam uma pena mais branda para os oito acusados no inquérito. A avaliação interna é que há chances de redução das penas no plenário da Suprema Corte.

Em seu voto, nesta terça-feira, 9, Dino defendeu penas pesadas para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acusado de liderar a organização do plano golpista, e para Walter Braga Netto, apontado como um dos principais articuladores das medidas. Porém, o magistrado avalia que Alexandre Ramagem (deputado federal), Augusto Heleno (ex-chefe do GSI) e Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) tiveram uma participação minoritária no tento e aponta uma pena menor que o mínimo.

O voto de Dino surpreendeu alguns advogados que estavam no plenário da Primeira Turma. Para as defesas, o parecer do ministro poderá abrir precedentes para a mudança de rumo dos votos dos demais componentes da Turma.

Outro magistrado que deve seguir pelo mesmo caminho é o ministro Luiz Fux, o próximo a votar. Durante o julgamento desta terça, Fux deu ao menos três indicativos de que votará com divergência ao relatório de Moraes. Além de prometer comentários sobre as preliminares, o ministro focou nas falas de Dino, com interferência para pedir os nomes dos réus defendidos pelo colega.

Embora esperasse que Flávio Dino apresentasse a absolvição de Heleno, o advogado Matheus Millanez vê chances de conseguir emplacar um recurso no plenário da Corte caso Fux siga a mesma linha. Em caso de divisão – ou seja 3 a 2 – para penas menores, os advogados poderão entrar com embargos infringentes, um recurso que leva a discussão para o plenário da Corte. Neste cenário, apenas a decisão das penas seria discutida pelo pleno.

Primeira Turma STF

Primeira Turma do STF durante julgamento da trama golpista; Luiz Fux será o próximo a votar e tende a apresentar divergências ao relatório de Alexandre de Moraes

Em seu voto, Dino apontou que as participações de Ramagem, Nogueira e Heleno no plano de golpe de Estado foram de menor importância e não deveriam ser consideradas parte das penas defendidas pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Já Bolsonaro, Braga Netto, Anderson Torres (ex-ministro da Justiça) e Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha) tiveram participações robustas no tento, sendo necessária a aplicação de penas mais pesadas. Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do Planalto, também entrou como exceção devido à colaboração premiada.

No caso de Ramagem, Dino apontou que o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) deixou o cargo no governo Bolsonaro em março de 2022 para se candidatar à deputado federal. O ministro disse não ter localizado atos materiais do parlamentar após o processo eleitoral que engajassem os atos executórios do plano golpista.

Já sobre Augusto Heleno, acusado de divulgar informações falsas sobre o processo eleitoral, Dino afirmou não ter encontrado provas de que ele tenha participado das estratégias para a execução do tento após o segundo semestre de 2022. O ministro reforçou que, embora estivesse como líder do “gabinete de crise” após a anulação das eleições, o general não tinha participado de reuniões decisivas para o avanço do plano.

Para Paulo Sérgio Nogueira, Flávio Dino considerou que o ex-ministro da Defesa tentou demover Bolsonaro do plano golpista, mesmo que a desistência tenha acontecido após a recusa dos comandantes do Exército e da Aeronáutica à ideia. O magistrado vê essa “desistência voluntária” como alternativa para atenuar a pena do militar.

Flávio Dino

Ministro Flávio Dino durante julgamento da suposta trama golpista nesta terça-feira, 9. Ele foi o primeiro a apresentar divergências sobre penas de três réus, mas defendeu penas pesadas para Bolsonaro e Braga Netto

O julgamento até aqui

O primeiro dia de julgamento, na terça-feira, 2, foi destinado à leitura do relatório de Moraes, em que reforçou a independência do STF e a blindagem de interferências externas, em recado ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que tem usado a Suprema Corte para taxar produtos brasileiros em 50%. Já a PGR defendeu a condenação dos réus e disse que a reunião entre Bolsonaro com a cúpula das Forças Armadas já configura a articulação do golpe de Estado.

As defesas de quatro réus também apresentaram suas sustentações. São eles: Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier e Anderson Torres. Na quarta-feira, 3, foi a vez das defesas de Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto apresentarem seus argumentos. Enquanto os advogados de Helenos e Nogueira optaram pela estratégia de jogar o ex-presidente aos leões, os defensores de Bolsonaro e Braga Netto atacaram o relatório da PGR e a validade da delação de Mauro Cid.

Nesta terça-feira, 9, Alexandre de Moraes apresentou seu voto, defendendo a condenação dos sete réus pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa armada e dano qualificado. Para Bolsonaro, Moraes defendeu o agravante por liderar a organização criminosa. Já Ramagem se livrou da condenação de dano qualificado.

Luiz Fux apresentará seu voto nesta quarta-feira, 10, seguido da ministra Cármen Lúcia e do presidente da Turma, Cristiano Zanin. Os dois últimos devem votar apenas na sessão de quinta-feira, 11. Em seguida, os cinco ministros decidirão as penas dos réus.