As ex-presidentes do Brasil, Dilma Rousseff, e da Argentina, Cristina Kirchner, defenderam a construção de amplas frentes populares para enfrentar as direitas na América Latina, em um fórum realizado nesta segunda-feira (19) em Buenos Aires, em contraposição à Cúpula do do G20, que também acontecerá na capital argentina.

“Os que venceram no Brasil nas últimas eleições estão dando as costas para a América Latina”, afirmou Dilma Rousseff, alertando que o presidente eleito, Jair Bolsonaro “vai criminalizar o protesto social e os políticos de esquerda”.

“Por isso, é necessário fazer uma frente democrática e popular para defender a soberania popular”, disse a ex-presidente destituída em 2016.

Ela pediu também para resistência para se “enfrentar esse neoliberalismo e neofascismo”. “É preciso fazer as alianças necessárias para vencê-los”, acrescentou.

O I Fórum Mundial de Pensamento Crítico, pensado originalmente como um lugar de debate entre investigadores e intelectuais, se transformou também de um ato político de respaldo explícito à ex-presidente e atual senadora Cristina Kirchner (2007-2015).

“Estamos passando um momento muito ruim no país. É muito triste. Temos a esperança de tirar este governo” do presidente argentino Mauricio Macri, disse à AFP Susana Rodríguez, uma aposentada de 68 anos, na fila para entrar no pequeno estádio coberto de FerroCarril Oeste em Buenos Aires.

“Cristina é a única que pode tirar o país da crise e por isso é uma pedra no caminho dos poderosos. Eu nunca militei, mas sinto que tenho que estar aqui pelos meus filhos e meus netos”, acrescentou.

Ainda havia cem metros de fila quando anunciaram que não havia mais lugar no estádio coberto, com 6.000 lugares. Um outro estádio ao lado abrigou outras 10.000 pessoas que acompanharam discursos de um telão, sob um sob sol forte.

“Lula Livre, Marielle Vive”, lia-se em bandeiras que atravessavam as ruas próximas. As bandeiras eram assinadas pela organização social La Poderosa, cujo líder e diretor da revista La Garganta Poderosa, Nacho Levy, falou sobre “direito à informação, mídia e democracia”.

“Basta de querer explicar o mundo de um hotel”, disse Levy sobre a cúpula de presidentes do G20, que será realizada em Buenos Aires no final de novembro com a presença de Donald Trump e Vladimir Putin, entre outros.

Lenços verdes de apoio à legalização do aborto, bandeiras vermelhas, camisetas com diversas mensagens políticas se misturavam em um público formado por estudantes, investigadores, intelectuais e militantes de todas as idades.

O Fórum com 50.000 inscritos, muitos desde março passado, é organizado pelo Congresso Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso). Na terça-feira, falarão ao ex-presidente do Uruguai José Mujica e o vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera, entre outros oradores.

– Agrupar os “agredidos” –

Mas os organizadores do fórum rejeitaram a etiqueta de contra-cúpula. A ideia é criar “espaços de multilateralidade e não em uma contra-cúpula do G20”, disse o secretário-executivo da Clacso, Pablo Gentile.

“Não somos contra-cúpula do G20”, disse Kirchner em um debate sobre ‘Capitalismo, neoliberalismo e crises da democracia’. “Como espaço progressista devemos nos acostumar a não nos apresentar como ‘contra’, e sim como um espaço de pensamento, um espaço político de propostas”.

“O neoliberalismo é uma construção política que nos obriga a repensar com outras categorias. Temos que criar uma nova categoria de frente social, cívica, patriótica, no qual se agrupem todos os setores que são agredidos pelas políticas do neoliberalismo”, disse Kirchner.

A ex-presidente é a dirigente opositora melhor posicionada nas pesquisas para enfrentar Macri nas eleições presidenciais de outubro de 2019, apesar de ter dito que não será candidata.

“Hoje a Argentina volta a ter estoque estrutural de uma dívida externa sem precedentes”, disse Kirchner, criticando o governo de Macri, que classificou de “neoliberal”.

Com um grande ‘CFK’ (Cristina Kirchner) escrito em sua camiseta, Alexis Lambert, um técnico estatal de 40 anos chegou especialmente de Concordia (560 km ao norte) para assistir ao fórum.

“Os 12 anos (de kirchnerismo) foram os melhores de nossas vidas. Estar aqui é uma forma de lutar e de tentar recuperar essas condições. Até 2015 toda a minha família, todo o meu bairro tinha trabalho. Todos progredíamos. Agora, você vê no dia a dia como tudo é destruído”, lamentou.