ANA CRISTINA Ex-Bolsonaro: depósito vai, depósito vem, ficou com R$ 54 mil que eram de sua irmã Andrea (Crédito:Divulgação)

Nem tudo que é genético é hereditário, mas tudo que é hereditário é genético. Essa lei da biologia aponta que na família Bolsonaro há fortes indícios de que rachadinhas estejam na hereditariedade. Passaram de pai para filhos. Estão no sangue. Pode-se crer que houve rachadinhas no gabinete de Jair Bolsonaro à época em que ele era deputado federal. Há também lei penal que as definem enquanto crime de corrupção: determinado parlamentar emprega funcionários que, voluntariamente ou de forma coercitiva, devolvem ao chefão, em dinheiro vivo, gorda porção de seus salários. Ao suspeitar de que o senador Flávio Bolsonaro se valeu desse ilícito expediente quando exercia mandato de deputado federal no Rio de Janeiro, desviando cerca de R$ 6 milhões (valor da mansão que acaba de comprar em Brasília), o Ministério Público passou a investigá-lo e, munido de devida ordem judicial, quebrou o seu sigilo fiscal e bancário, juntamente ao de noventa quatro assessores, no período compreendido entre 2006 e 2018. O MP utilizou, ainda, dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Na terça-feira 16, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu esse compartilhamento e repasse de dados, mantendo o veto à quebra dos sigilos, que estabelecera em decisão anterior.

ANDREA Mão de obra: Passou de gabinete em gabinete dos Bolsonaro. Rachadinhas em todos eles (Crédito:Divulgação)

Os jornalistas Flávio Costa, Juliana Dal Piva, Amanda Rossi e Gabriela Sá Pessoa tiveram acesso a todas as informações e trouxeram a público um mar de lama — lama com fortes indicações que podem envolver não apenas Flávio, mas, também, o seu irmão, o vereador Carlos, e o seu pai, o presidente da República Jair Bolsonaro. Envolvimento em quê? Na formação de organização criminosa, visando à continuada prática de delito.

LÉO ÍNDIO Primo de Carlos: aluguéis de quitinete quitados por Mariana Mota, que atuava com Flávio (Crédito:Divulgação)

Foi-se além do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro devido a uma pouco usual movimentação de servidores, zanzando eles de um gabinete para outro da família Bolsonaro. Mais: despertou atenção o modo de proceder, cujo padrão era a ganância desmedida. Foram analisadas cem planilhas e cerca de seiscentas e oito mil operações. Esse material robusteceu ainda mais uma evidência que tem nome e sobrenome: Andrea Siqueira Valle, que trabalhou no gabinete do deputado federal Jair Bolsonaro entre 1998 e 2006 — trabalhou pouco, ganhou muito e ficou à míngua. A sua história com os Bolsonaro já é parcialmente conhecida, mas, agora, ela foi revelada por inteiro, em suas entranhas e nos mínimos detalhes, a mostrar que Andrea foi provavelmente o elo de ligação entre três gabinetes legislativos do clã: o de Jair (pai) e os de Flávio e Carlos (filhos). Ela é irmã da segunda mulher do presidente, Ana Cristina Siqueira Valle. Pouco depois que Andrea saiu do emprego (emprego, sim, porque ela não tinha nem serviço nem trabalho), Ana Cristina teria se apossado de todo o dinheiro que ainda restava na conta da irmã: aproximadamente R$ 54 mil (algo próximo de R$ 110 mil em valores atuais).

Andrea teria dado parte de seus vencimentos, mensalmente, a Jair Bolsonaro. Ainda assim, quando deixou o gabinete, ocorreu, então, a operação, que, segundo o MP, limpou a conta bancária da ex-assessora. Primeiro ato: Ana Cristina transferiu R$ 14 mil da conta corrente de Andrea para a poupança da própria Andrea (o CPF e o nome de Ana Cristina estão no documento bancário); segundo ato: Ana Cristina transferiu tudo que havia na poupança de Andrea para a conta corrente (novamente seus dados estão anotados), completando um saldo de R$ 53.643,00; terceiro ato: um cheque nesse valor saiu da conta de Andrea e voou para a conta corrente de Ana Cristina — a mesma conta na qual recebia a pensão alimentícia que Jair Bolsonaro lhe pagava, após o divórcio, referente ao filho Jair Renan.

Quanto a Andrea, ela passou, segundo as investigações, do gabinete do agora presidente do Brasil para o gabinete do então deputado estadual Flávio, e, desse local, transferiu-se para o gabinete de Carlos. Seguiu sacando a maior parte do dinheiro, assim que recebia o salário, o que leva à suspeita de continuidade de conduta delituosa (com licença de Charles Darwin, Andrea, agora se sabe concretamente, pode ser o elo perdido para explicar a origem das espécies de rachadinhas atribuídas aos Bolsonaro). O País, convenhamos, jamais foi um bom exemplo no trato do dinheiro público, a ponto de seu mais importante estado, o de São Paulo, ter tido um governador cujo slogan era “rouba, mas faz”. Seu nome: Adhermar de Barros. Os tempos mudaram, hoje tudo é mais aparelhado – como dizia Tom Jobim, “o Brasil é para profissionais, não é para principiantes”. Assim, desperta a atenção no caso dos Bolsonaro, a se confirmar todas as suspeitas, o esquema familiar entrelaçado, ao estilo da Cosa Nostra que ousou infiltrar alguns de seus membros criminosos na política dos EUA.

O MP recorreu, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), da decisão do STJ proibindo que a quebra dos sigilos fiscal e bancário constem das investigações — como dito acima, até a quarta-feira 17 apenas o compartilhamento dos dados do Coaf estava validado. Ocorre, porém, que para o STF julgar esse recurso do MP, a ação precisa da juridicamente chamada admissibilidade do próprio STJ. Se o MP vencer, a República agradece. Se perder, mais uma vez a sujeira ficará sob o tapete. Mas há um detalhe: ainda que se prove cabalmente a culpa de Jair Bolsonaro, ele não poderá ser punido por nenhum desses eventuais crimes, já que teriam sido cometidos antes da posse na Presidência do País. Fica-lhe, no entanto, o desgaste moral, desgaste que lhe pesará lá na frente, nas eleições do ano que vem. Falou-se, acima, sobre a ganância nas rachadinhas que teriam dado sinal de alerta ao MP. Estima-se, por exemplo, que Andrea, ao longo de sua vida, tenha recebido milhões de reais. Ainda assim, faltou-lhe, em determinada época, dinheiro para pagar contas de luz — fora vampirizada até o seu último centavo. Essa mesma ganância envolve outros seis personagens aos quais a averiguação chegou a partir da quebra dos sigilos — eles não indicam ligação entre gabinetes da família, mas cada um, em seu local de trabalho, deixou a marca da suspeição de rachadinhas.

JAIR E JACI O deputado Bolsonaro: apropriação do salário do assessor de seu gabinete (Crédito:Divulgação)

O tio e o sobrinho

Quatro assessores que serviram Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados sacaram, na média e em dinheiro vivo, 72% do salário recebido enquanto lá estiveram. São eles: Fernando Nascimento (trabalhou entre 2009 e 2014), Nelson Rabello (ficou oito anos), Daniel Medeiros (entre 2014 e 2017) e Jaci dos Santos (entre 2011 e 2012). Segundo o MP, Nascimento, por exemplo, teria amealhado R$ 164 mil e sacou, no mínimo, R$ 126 mil. Em certos meses devolveu ao gabinete 100% do que recebeu. Rabello, militar da reserva e colega de turma de Bolsonaro, também interessa aos investigadores: recebeu R$ 192 mil em seis anos, R$ 132 mil foram sacados. Já Medeiros, que funcionou como secretário particular do deputado Jair Bolsonaro, sacou 72%. São fortes os indícios, portanto, de rachadinha no gabinete do ex-parlamentar e agora presidente da Nação. Medeiros é amigo de Fabrício Queiroz (o STJ o libertou da prisão domiciliar na semana passada), acusado pelo MP de ser operador financeiro de Flávio.

No gabinete do vereador Carlos Bolsonaro, destacam-se os cabeleireiros Máricio Gerbatin e Claudionor Gerbatin, tio e sobrinho. Atuaram como motoristas. Uma curiosidade a demonstrar a provável existência de uma rede de corrupção: em determinada época, Márcio trabalhava com Carlos e Claudionor, com Flávio. Devolviam boa parte do que ganhavam. De repente, quem trabalhava com Flávio foi para o gabinete de Carlos e vice-versa. Finalmente, em outra história da qual já se sabiam alguns pontos mas agora se fecha, surge Mariana Mota, ex-chefe de gabinete de Flávio Bolsonaro. Mariana pagou muitos dos aluguéis de uma quitinete no Rio de Janeiro, na qual morava Leonardo Rodrigues de Jesus, o Léo Índio, primo de Carlos — quando transferia os recursos, anotava “al.leo”. O dinheiro utilizado por ela seria proveniente de repasses de funcionários de Flávio, acusado de lavar boa parte do dinheiro em uma loja de chocolates. O seu sócio, o empresário laranja Alexandre Santini, assumirá eventuais dívidas do estabelecimento comercial. Resumo da ópera: há elementos que levam o MP a concluir que, entre 2006 e 2018, os filhos Flávio e Carlos e o pai, Jair, teriam operado cada um por sua conta e risco, mas também conjuntamente. É isso: tá no sangue.

A “lavanderia” de Jairzinho

JAIR RENAN: Sob a mira da PF (Crédito:Divulgação)

Há mais sobrenome Bolsonaro enrolado, além daqueles já conhecidos e repassados quase diariamente pela mídia. Trata-se de Jair Renan, 23 anos, filho do presidente com a sua segunda mulher, Ana Cristina Siqueira Valle. Na semana passada, a pedido do Ministério Público Federal, a Polícia Federal instaurou inquérito para apurar se existe tráfico de influência e lavagem de dinheiro por parte de Renan, por meio de sua empresa Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia, beneficiando o grupo Gramazini Granitos. Há indícios de que, por sua intermediação, a Gramazini vem expandindo seus negócios no Brasil (atualmente atua no Espírito Santo, Ceará, na Bahia e em Minas Gerais). Renan também teria influenciado ministros para que eles ouvissem alguns representantes da empresa. Agora, a cereja do bolo de Renan a provocar o MPF: ele ganhou da Gramazini, de presente, um carro elétrico avaliado em R$ 90 mil. O automóvel ainda não está em seu nome, mas já carrega uma multa por excesso de velocidade em Brasília.