Grande parte das mulheres brasileiras que recorrem ao aborto legal não o fazem em seus municípios de residência. É o que mostra um levantamento feito pelo “g1”, sobre a dificuldade de acesso ao aborto legal, entre janeiro de 2021 e fevereiro de 2022, com dados do Sistema Único de Saúde (SUS) conseguidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

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Os dados mostram que quatro em cada 10 mulheres que tiveram seus abortos autorizados por lei entre o período indicado precisaram deslocar-se de município, com percursos que chegaram a mil quilômetros.

Acesso ao aborto legal é dificultado em grande parte dos municípios do Brasil

Durante o período da pesquisa, 1.823 procedimentos de aborto foram autorizados por lei. Enquanto 711 deles ocorreram em municípios que não eram o de residência da paciente, 25 deles foram realizados, inclusive, em outros estados. Seis das 25 mulheres que precisaram deslocar-se até outro estado viajaram mais de mil quilômetros para realizar o procedimento. 

No Brasil, atualmente, o aborto é permitido por lei em casos de gravidez decorrente de estupro — o que representa mais de 90% dos procedimentos, de acordo com o Serviço de Aborto Legal no Brasil, —, anencefalia (malformação no cérebro) — 5% dos procedimentos — e risco à vida da gestante — 1% dos procedimentos.

No entanto, a reportagem do “g1” levantou que custos somente com deslocamento podem chegar a R$1,2 mil, o que dificulta o acesso. Em entrevista ao portal, a médica sanitarista Tânia di Giacomo do Lago esclareceu que parte da necessidade de deslocamento se deve à falta de estrutura de internação hospitalar de pequenos municípios.

Nesse sentido, outro apontamento é que um município que conta com um registro de aborto legal não necessariamente o realiza com regularidade, ou, ainda, não atende todos os casos permitidos por lei.

Dificuldade de acesso pode gerar mais traumas

No primeiro semestre de 2020, 1.024 abortos legais foram realizados no Brasil. No mesmo período, entretanto, o número de mulheres atendidas para curetagens e aspirações — procedimentos necessários para a limpeza do útero após um aborto incompleto — foi de quase 81 mil. 

De acordo com o Conselho Federal de Enfermagem e o Ministério da Saúde, com dados de 2018, uma mulher morre a cada 2 dias por aborto inseguro — aquele realizado em condições hospitalares precárias, sob supervisão de pessoas não capacitadas ou ambos. Quando não levam a óbito, esses procedimentos causam a hospitalização de 250 mil mulheres por ano.

Ao “g1”, a doutoranda em Saúde Coletiva na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Marina Jacobs explicita os riscos da dificuldade de acesso ao aborto legal: “Essas mulheres vão gestar o fruto da violência que sofreram, ou vão acessar o procedimento de forma clandestina e insegura, ou vão ter uma gestação de risco, talvez morrer por uma gestação de risco. E isso também pode levar a termo uma gestação de feto anencéfalo, o que pode ser tanto um problema para a saúde física quanto para a saúde mental da pessoa gestante e da família.”

Em 2021, um estudo assinado pela mesma pesquisadora relatou que somente 200 municípios brasileiros (3,6%) oferecem o serviço de aborto legal. As cidades com mais abortos legais registrados, respectivamente, foram São Paulo (SP), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Porto Alegre (RS), Fortaleza (CE) e Belém (PA).