Atos não republicanos ocorreram recentemente no Brasil envolvendo o campo jurídico, o que tende a ser mais grave porque é nesse terreno que se mantém o Estado de Direito. Vamos a eles. Aprovada com emendas pela Câmara dos Deputados, a Lei de Abuso de Autoridade seguiu, cumprindo rito constitucional, para a mesa do presidente Jair Bolsonaro. Também legalmente, ele poderia sancioná-la por inteiro, acatando as alterações promovidas pelos deputados, ou vetar algumas dessas mudanças e devolvê-la ao Congresso Nacional. Bolsonaro fincou pé na segunda alternativa: vetou trinta e seis itens. O assustador é que itens que a Câmara mantivera na lei e que ele retirou demonstraram escandalosamente o quanto o Poder Executivo passa ao largo de princípios democráticos. Para se ter idéia, Bolsonaro tentou fazer valer, novamente, entre outros aspectos, alguns pontos que atentam contra o devido processo legal, o exercício do contraditório e o direito à ampla defesa.

Primeiro: o presidente derrubou o artigo que prevê punição ao magistrado que decretar a prisão de qualquer pessoa em “manifesta desconformidade com as hipóteses legais”. Segundo: baniu o trecho que caracteriza como abuso de autoridade “constranger quem estiver preso” para que “produza provas contra si”. Terceiro: excluiu a cláusula que proíbe o impedimento de cliente e advogado conversarem reservadamente. Devolvida a Lei de Abuso de Autoridade ao Congresso, dezoito pontos que Bolsonaro abolira voltaram a valer, felizmente para o País, pelas mãos dos congressistas – dentre eles, os três acima citados.

É baixa a vocação de se acatar aquilo
que é decidido pelo Poder Legislativo

A Câmara e o Senado recolocaram, assim, o Brasil na legalidade, uma vez que ninguém, nem mesmo magistrados, integrantes do MP e policiais podem estar acima da lei. Não bastasse o contorno autoritário que o presidente dera à legislação, é assustadora a atitude que tomou antes de os parlamentares manifestarem a palavra final: ele telefonou ao Parlamento adiantando que cedia o seu aval às iniciativas que lá fossem tomadas. Não cabe, em uma República, em hipótese alguma, coisas desse gênero: o Executivo não tem de dar aval algum ao trabalho do Legislativo. O telefonema expõe a visão autocrática de Bolsonaro. Outro indicador não democrático é o fato de entidades terem recorrido ao Judiciário contra o trabalho da Câmara e do Senado. Independentemente da decisão da Justiça, também esses recursos, embora legítimos, apontam para a pouca vocação que há hoje no País para se acatar aquilo que é decidido pelo Legislativo.


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