O Brasil enfrenta a tarefa hercúlea de processar centenas de pessoas detidas pelo ataque às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro, em Brasília.

Mais de mil pessoas podem ser acusadas pela invasão ao Palácio do Planalto, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma semana após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Um promotor encarregado do caso descreveu à AFP o processo, sob condição de anonimato.

– Os detidos –

Mais de 2.000 pessoas foram detidas imediatamente após o ataque, realizado por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Destes, cerca de 300 foram detidos no local dos fatos, mas a maioria foi presa durante uma operação em um acampamento bolsonarista a cerca de 8 km das sedes dos Três Poderes, para onde tinham voltado após participarem da invasão das instituições.

Nove dias depois, aproximadamente 1.400 continuam sob custódia.

Os homens estão reclusos no presídio da Papuda, em Brasília, e as mulheres na Colmeia, ambos superlotados devido ao alto número de detentos.

Cinco dias após os distúrbios, a Papuda abrigava 2.139 detentos, acima de sua capacidade, de 1.176, segundo o último balanço da autoridade carcerária.

A Colmeia tinha 1.148 detentas para uma capacidade de 1.028.

Os acusados pela invasão estão separados do restante dos presos.

“Muitos deles são de outros estados, outras cidades e serão transferidos […] para fora de Brasília” nos próximos dias para esperar o julgamento, segundo o promotor.

Mais de 600 já foram liberados, enquanto as investigações continuam. Estes são em maioria pessoas idosas, mulheres grávidas e mães com filhos pequenos.

– As acusações –

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, está a cargo da investigação dos distúrbios.

Os detidos enfrentam várias acusações inscritas na categoria “atos antidemocráticos”.

Estas incluem associação criminosa, tentativa de subverter a ordem democrática, participação em tentativa de golpe de Estado e incitação ao crime, segundo a Polícia Federal.

Entre os crimes mais sérios, a participação em um “golpe de Estado” prevê uma possível sentença de até 12 anos de prisão, segundo o Código Penal brasileiro.

Pouco depois dos atos violentos, integrantes do governo, inclusive Lula, mencionaram acusações de “terrorismo”, que é punido com pena máxima de 30 anos de prisão.

No entanto, segundo a legislação, o crime de terrorismo requer que a ação seja realizada “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito baseado em raça, cor, etnia ou religião”, enquanto os distúrbios tiveram natureza política.

“É possível” que finalmente não sejam apresentadas acusações por “terrorismo”, disse o promotor.

– Primeiras audiências –

Até a terça-feira, tinham sido realizadas 1.400 audiências. Seu objetivo é confirmar que os direitos e o bem-estar dos detidos estão sendo respeitados.

Devido ao enorme número de acusados, todas as audiências foram realizadas por videoconferência.

Os juízes de Brasília foram auxiliados por magistrados de outros distritos. A parte acusatória também foi reforçada com pessoal de outras regiões.

“Foi uma semana de 18 horas de trabalho todos os dias”, disse o promotor.

No total, cerca de 100 promotores federais trabalharam nos aproximadamente 1.400 casos, com ajuda de cerca de 400 promotores estaduais.

Centenas de defensores legais – públicos e privados – participaram.

“Em uma situação normal, se fosse um crime normal, a audiência de custódia deveria ocorrer em 24 horas e um juiz deveria decidir imediatamente”, explicou o funcionário.

“Mas há uma jurisprudência que diz que, em situações excepcionais, este prazo pode ser estendido. Este é um caso absolutamente excepcional”, acrescentou.

Em cerca de mil casos, o Estado pediu a prisão preventiva dos acusados, argumentando que estes ainda representam uma ameaça à ordem pública. Se for concedida, a continuidade da prisão será avaliada a cada 90 dias.

Nos demais casos, os promotores acordaram a libertação sob fiança dos acusados ou sua prisão domiciliar à espera de julgamento.

Por fim, caberá ao ministro Alexandre de Moraes decidir quem vai continuar na prisão à espera do julgamento e quem não.

Com as audiências praticamente concluídas, o trabalho de apresentar acusações passa agora ao gabinete do procurador-geral da República, Augusto Aras, nomeado por Bolsonaro.

Na segunda-feira, a PGR apesentou as primeiras acusações contra 39 pessoas suspeitas de participação nos ataques.

– Julgamentos –

Haverá um grande julgamento contra todos os acusados ou vários pequenos? Todos serão apresentados perante o STF ou os casos serão enviados às cortes inferiores? Estas são perguntas ainda sem resposta.

O que se sabe é que passará muito tempo, talvez anos, incluindo as apelações, para que o processo legal cumpra seu curso.