O fim do mundo é um tema aparentemente interminável – pelo menos, é claro, até que ele aconteça. Com essa frase de abertura, o antropólogo Viveiros de Castro e a filósofa Débora Danowski anunciam que seu Há Mundo Por Vir? Ensaio Sobre os Medos e os Fins não dará conta da vastidão do tema. Mas até que a necropolítica se instalasse no poder, em 1º de janeiro de 2019, não havia investida literária mais arrojada sobre as consequências catastróficas da crise planetária do que o livro dos dois professores. Ao abordar o fim do mundo pelos vieses da teoria de Gaia, do aceleracionismo, das cosmogonias indígenas, do Antropoceno e dos blockbusters de ficção científica, a publicação de 2015 parece hoje um fato premonitório.

Como num seriado B de gênero fantástico, em que o plot se resume a um presidente da República que inicia um processo de extinção da humanidade, a realidade acelera em direção ao apocalipse desde a noite de 28 de outubro de 2018, quando o tal presidente foi eleito. E, desde aquela fatídica noite, romances, novelas, contos, ensaios, filme-ensaios e diários sobre o fim do mundo proliferam como micro-organismos em condições ideais (como, por exemplo, o vírus da Covid-19 em uma reunião ministerial do atual governo).

O escritor Ricardo Lísias saiu na frente, em julho de 2020, com seu Diário da Catástrofe Brasileira – Ano 1: O Inimaginável foi Eleito (Editora Record, 2020). O livro corresponde à lenta assimilação dos indigestos fatos diários, desde a eleição do “candidato mais nefasto da história eleitoral brasileira”, até o último dia de 2019, semanas antes da chegada do novo Coronavírus ao Brasil. “Talvez eu esteja calmo pois André Singer e Vladimir Safatle passaram bastante tempo nos tranquilizando: ele não tem a mais remota possibilidade de ser eleito”, anota Lísias em seu diário, em 28/10/2018. Com vivência e pesquisa em arte contemporânea, o autor lança mão de citações a artistas, teóricos da arte e filósofos, como Deleuze e Guattari, Arthur Danto, Marina Abramovic e Bansky. Na forma de pequenas crônicas diárias, o escritor faz um raio-x das estratégias estéticas e narrativas de construção e difusão de mensagens políticas da extrema direita nas redes sociais.

Na sequência veio o filósofo Vladimir Safatle, com o manifesto Bem Vindo ao Estado Suicidário (n-1 edições, 2020), e Patrícia Campos Mello, com o fundamental A Máquina do Ódio (Companhia das Letras, 2020), que amarra os bastidores das suas reportagens sobre as campanhas de difamação e as redes de desinformação instauradas nas plataformas sociais. Na esteira da Quarta-feira de Cinzas pré-pandemia, o escritor e crítico de fotografia Diógenes Moura abriu a torneira da imaginação distópica e lançou, em edição limitada, O Anti Acarajé Atômico – Dias Pandêmicos (Exu de Dentro, Edição do Autor, 2021). “Branca de Neve comprou um novo silenciador para sua pistola automática. Soneca finalmente realizou seu sonho: trocou de sexo e passou a viver feliz para sempre ao lado de Rodin Hood. O vizinho que mora no quarto andar, no prédio em frente, finalmente abriu a janela para o disco voador entrar”. Só pra começar. Vem aí a parte 2.

Entre os lançamentos mais recentes do gênero “tragédia sanitária + extinção ecológica + necropolítica”, destaca-se O Último Gozo do Mundo (Companhia das Letras, 2021), em que o escritor Bernardo Carvalho explora previsões de futuro e desmemorias do passado, afirmando que “na falta de imunidade ao vírus, mais de um terço da população tornou-se imune à realidade”. Joca Reiners Terron, que em A Morte e o Meteoro (Todavia, 2019) havia condicionado o fim do mundo à extinção da última etnia indígena isolada do Amazonas, continua na trilha do horror distópico com O Riso dos Ratos (Todavia, 2021), sobre um sujeito preso no presente. Leituras para expurgar os pesadelos e a realidade.