Basta um determinado alimento, um momento de estresse, a TPM, uma noite mal dormida – ou dormida demais – e a dor de cabeça dá as caras. O desconforto perdura de 4 a 72 horas (!), muitas vezes acompanhado por náuseas, vômitos, intolerância a luz, sons ou cheiros que só você sente, e costuma deixar uma sensação parecida com a de uma ressaca quando vai embora.

Parece familiar? Você não está sozinha. A enxaqueca atinge 40 milhões de brasileiros, mas nem por isso deve ser negligenciada. Quando o problema a impede de seguir no trabalho (como acontece com 90% das vítimas), é hora de procurar ajuda.

O desequilíbrio químico no cérebro (que envolve hormônios e peptídeos em níveis desajustados) desencadeia vários outros. Em cerca de um terço dos casos, a enxaqueca é classificada como áurea, o que significa que é anunciada por alterações visuais (pontos luminosos ou perda da visão de um dos lados, por exemplo) ou sensitiva (dormência na mão, língua ou cabeça e formigamentos nos braços ou pernas).

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Esses sintomas costumam chegar 10 minutos antes da sensação dolorosa. O problema é tão sério que a doença é considerada pela Organização Mundial da Saúde como a décima mais incapacitante. E as mulheres são suas principais vítimas – 70% é do time feminino –, sofrendo um perigo extra: para as que têm a do tipo áurea, tomar anticoncepcionais combinados (aqueles que contêm doses de mais de um hormônio) aumenta os riscos de AVC.

Como evitar os episódios? Eles são desencadeados por intolerâncias individuais, o que faz com que seja impossível criar um tratamento padrão para evitá-los. A melhor forma de impedir que a dor volte é fazer um diário detalhado do seu dia a dia e histórico familiar. WH pediu para duas vítimas contarem sua relação com esse mal para serem analisadas por um time de especialistas.

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Os especialistas

– Célia Roesler, neurologista, diretora da Sociedade Brasileira de Cefaleia e da Academia Brasileira de Neurologia e membro da International Headache Society.

– André Felício, neurologista de São Paulo, com pós-doutorado pela University of British Columbia, no Canadá e membro da Academia Brasileira de Neurologia.

– Mario Peres, neurologista do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, especialista em tratamento de enxaqueca, com pós-doutorado na Thomas Jefferson University e membro do American College of Physicians, ambas nos Estados Unidos.

Rebecca Burch, neurologista norte-americana, diretora da serviços de dor de cabeça do NYU Langone Medical Center, nos Estados Unidos.

– David Buchholz, professor de neurologia na Johns Hopkins University School of Medicine, nos EUA.

Monique dos Anjos, 35 anos, diretora de comunicação, paulistana atualmente vivendo no Panamá.

“Minha relação com a enxaqueca começa antes mesmo de eu nascer, com meu histórico familiar: mãe, tia e avó do lado materno sofrem com o mal [1]. Comigo, aconteceu desde muito cedo. Ainda quando criança, com cerca de 10 anos, lembro-me de passar mal na escola por causa da doença.

Como sempre fui ansiosa, o medo das crises atrapalhava os planos de estudar para uma prova ou mesmo de ir a uma festa com as amigas. O problema é que isso virava um ciclo: como eu ficava receosa de ter um ataque, eu sentia ainda mais dor quando eles finalmente vinham, e eles duravam muito mais tempo [2].

Nas primeiras viagens que fiz com meu marido, com 20 anos, era tiro e queda: o pacote de queijos e vinhos em frente à lareira sempre me levava à cama – e não com o fim que eu esperava[3]. Tinha que descansar e tomar remédio para não desmaiar de dor, mas não funcionava: a cada crise – e foram muitas –, acabava indo parar no hospital, onde sempre me receitavam um remédio para passar a dor de cabeça na hora [4].

Esse quadro atrapalhava meus planos: antes de ter filhos, morria de medo de enfrentar a tontura, o vômito e a fotofobia durante a gestação mas, felizmente, os episódios sumiram durante todo o tempo em que estive grávida, tanto do meu primeiro bebê quanto do segundo [5]. Agora o mais novo está com dez meses e ontem minha menstruação voltou – e junto com ela a bendita dor de cabeça. Claro que sempre tem um fator externo, como o primeiro dia de aula da mais velha, a reunião com uma equipe nova de trabalho. Mas não entendo como eu continuo refém da doença, mesmo meditando, evitando vinho tinto (meu maior inimigo) e tentando ficar atenta aos sinais. Já tomei remédios diariamente para combater o problema, mas o que trouxe melhor resultado ao longo dos anos foi fazer terapia. Entretanto, nem isso eliminou por completo as crises. Digamos que elas deixaram de ser semanais para se tornarem quinzenais.”

Comentários dos especialistas:


[1] “Genética equivale a 50% dos riscos de uma pessoa ter enxaqueca”, Rebecca Burch

[2] “A ansiedade ou o estresse crônico, um problema real e cada vez maior na nossa sociedade, é certamente um dos principais fatores que desencadeiam enxaqueca”, André Felício

[3] “Mais de 20% dos pacientes são sensíveis a álcool, a maioria a vinho tinto e licores escuros, que são ricos em químicos chamados congêneres, que induzem a enxaqueca”, Davis Buchholz

[4] “Tomar analgésicos em excesso pode piorar o quadro, pois isso diminui a capacidade de o cérebro lidar sozinho com o problema e pode levar até a dores de cabeça diárias”, Célia Roesler

[5] “Cerca de 2/3 das grávidas têm uma melhora da enxaqueca nesse período. Isso acontece devido às variações hormonais, que muitas vezes estabilizam as que estavam desajustadas no cérebro”, André Felício

Andrea Kfouri, 39 anos, psicóloga, São Paulo

“Desde a adolescência, sofro bastante com as crises, que pioraram muito quando comecei a menstruar[1]. Com o passar dos anos, o estresse com as provas, a má alimentação e as poucas horas de sono [2] piorou a intensidade das dores.

Com vinte e poucos anos, fui ao médico e comecei a fazer um tratamento com fluoxetina –  um medicamento antidepressivo que aumenta a quantidade e a disponibilidade de serotonina no cérebro e, por isso, auxilia no combate à dor. Fiz isso por dois anos e me ajudou muito. No passado, eu tinha episódios dolorosos que duravam de 3 a 5 dias, uma vez por mês.

Atualmente, se for um mês de menstruação regular e eu não sair da dieta[3], tenho um a cada dois ou três meses. Quando falo sobre a alimentação, significa evitar doces, frituras e bebidas alcoólicas, pois esses itens provocam sintomas mais suaves, mas prolongados.

A última vez que tive um episódio de dor muito forte foi no dia anterior a minha menstruação, há cerca de 3 meses. Eu sei que tem uma crise chegando quando minha cabeça começa a doer, e logo fica bem quente no meio do couro cabeludo e lateja de um dos lados [4]. O incômodo vai se intensificando até chegar a um estágio no qual eu não aguento ficar em um local iluminado [5] e nem mesmo de pé. Muitas vezes ela provoca até mesmo vômitos.”

Comentários dos especialistas:

[1] “Os ciclos menstruais são um dos grandes vilões em mulheres que são suscetíveis a enxaqueca e, por isso, muitas vezes a estratégia é bloquear a menstruação ou fazer um tratamento preventivo antes e durante o período menstrual”, André Felício.


[2] “Alterações relacionadas ao sono também podem desencadear uma crise”, Mario Peres.

[3] “Os alimentos funcionam como gatilho em muitos dos casos. Nem todos os pacientes têm intolerância aos mesmos itens, mas os mais comuns são chocolate, gorduras, embutidos, aspartame, glutamato monosódico, bebidas alcoólicas, frutas cítricas, pepino e melancia”, Célia Roesler.

[4] “Enxaquecas tendem a aparecer apenas de um lado porque o caminho da transmissão neural acontece apenas em uma direção”, David Buchholz.

[5] “Receptores nos olhos transmitem diretamente para o hipotálamo, que se acredita ser o centro da dor da enxaqueca no cérebro. Óculos escuros com lentes rosadas ajudam a diminuir a sensibilidade à luz”, David Buchholz.


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